Sobre o autor
Francisco Gonçalves é programador informático de sistemas de Informação, mas o seu coração bate também ao ritmo das palavras e da cidadania. Nascido e criado na Beira, vive entre linhas de código e linhas de poesia, entre servidores e sonhos. Neste livro, juntou a sua voz à de Augustus Veritas (AI), um assistente artificial que o ajudou a desbravar conceitos, pesquisa profunda de dados e argumentos.
Juntos, teceram uma reflexão sobre o capitalismo selvagem e as ameaças às democracias, combinando a experiência humana de Francisco com a capacidade analítica do seu companheiro digital. O resultado é uma obra de fôlego, feita de indignação e esperança, escrita para quem acredita que a liberdade se constrói todos os dias — com coragem, com espírito crítico e com o brilho da verdade.
↥ Voltar à capaCapítulo 1: Introdução – O Estado do Mundo Democrático
Vivemos uma era em que a democracia parece caminhar sobre uma corda bamba, suspensa entre o precipício do autoritarismo e o deserto da indiferença. Há duas décadas, imaginava-se que a terceira vaga de democratização nos levaria a um mundo de liberdade plena; contudo, a realidade demonstra o oposto: um declínio constante. Relatórios recentes revelam um panorama alarmante. Apenas 6,6 % da população mundial vive em Estados considerados democracias plenas, enquanto quase 72 % habitam regimes autocráticos, de acordo com o Instituto V-Dem e o Índice de Democracia da Economist Intelligence Unit【860215054136668†L60-L71】. A mesma investigação aponta para um dado inédito: pela primeira vez em mais de vinte anos, existem mais autocracias do que democracias no planeta, num equilíbrio de 91 contra 88 países【860215054136668†L90-L95】. A participação eleitoral declinou quase 10 % no último quarto de século【860215054136668†L60-L71】, e a tendência é agravada por crises múltiplas que corroem a confiança coletiva.
Este livro nasce da inquietação perante o aparente retrocesso civilizacional. Não se trata apenas de analisar dados, mas de compreender as causas profundas do colapso democrático e do avanço do capitalismo selvagem. O objetivo é propor um caminho alternativo: um resgate ético, social e político que permita reimaginar a democracia para além de um processo eleitoral, transformando-a numa prática quotidiana e numa ética de cuidado comum.
↥ Voltar ao índiceCapítulo 2: A Ilusão da Representação
As democracias representativas surgiram como promessa de inclusão e pluralidade. Todavia, muitos parlamentos converteram-se em teatros dominados por elites partidárias e grupos de interesse, onde as vozes populares ecoam apenas como murmúrio. A economista Isabel Sawhill, em análise para a Brookings Institution, refere que mercados são excelentes a alocar recursos e fomentar dinamismo, mas incapazes de resolver problemas como as alterações climáticas, a desigualdade e o desespero dos trabalhadores cuja subsistência foi destruída pelo comércio e pela tecnologia【584175277858052†L214-L223】. Quando os governos falham em enfrentar estas questões estruturais, a legitimidade democrática esvai-se e os cidadãos, em desespero, recorrem a populistas que prometem um retorno impossível ao passado【584175277858052†L223-L229】. Se esses líderes não cumprem as suas promessas, a confiança nas instituições erosiona-se ainda mais, desencadeando ciclos viciosos de instabilidade que ameaçam o próprio capitalismo【584175277858052†L223-L229】.
Em Portugal, como noutros países europeus, esta ilusão manifesta-se na colonização do Estado por partidos e operadores económicos. Os concursos públicos são distorcidos, as leis servem interesses privados e o orçamento de Estado torna-se almofada eleitoral. O voto, transformado em mero ritual, deixa de ser instrumento de mudança. A indignação nasce, mas encontra barreiras institucionais que a convertem em abstencionismo.
Neste capítulo, exploramos como a representação se esvaziou de sentido, deixando espaço para que a promessa democrática se transformasse numa fachada, enquanto as decisões reais ocorrem em bastidores corporativos ou clubes restritos, alheios à vontade popular.
↥ Voltar ao índiceCapítulo 3: O Império do Lucro e o Estado Refém
O capitalismo globalizado intensificou a acumulação de riqueza num pequeno grupo, desprotegendo as grandes maiorias. O relatório da Oxfam, publicado em 2023, mostra que o 1 % mais rico capturou quase dois terços de todo o novo património mundial criado desde 2020【365349499515510†L93-L139】. Em contraste, pelo menos 1,7 mil milhões de trabalhadores vivem em países onde a inflação supera os salários e mais de 820 milhões de pessoas passam fome【365349499515510†L133-L139】. A mesma investigação evidencia que 95 grandes empresas de alimentação e energia duplicaram os seus lucros em 2022, distribuindo 84 % desses ganhos a acionistas【365349499515510†L124-L130】.
Outro estudo, da Tricontinental, recorda que a combustão das desigualdades ambientais e sociais tem raízes históricas: os países ocidentais, responsáveis por mais de metade de todas as emissões de carbono desde 1750, enriqueceram graças ao colonialismo e ao capitalismo fóssil【574591850454507†L119-L136】. Este modelo agravou uma desigualdade brutal: o nível de vida médio de um europeu é sete vezes superior ao de um indiano, diferença que se multiplicou num século【574591850454507†L119-L136】.
O resultado é um Estado refém de interesses corporativos. As leis ambientais são diluídas, os bancos centrais salvam conglomerados em falência e os serviços públicos são privatizados. A captura do Estado, uma forma de corrupção legalizada, converge para um cenário em que a ganância corporativa passa a ditar políticas públicas, eclipsando o bem‑estar coletivo.
↥ Voltar ao índiceCapítulo 4: Justiça Cega... Mas Só Para os Pobres
A justiça, enquanto instituição que deveria equilibrar poder e proteger direitos, tornou-se cúmplice do desequilíbrio. A seletividade do sistema penal é evidente: pequenos delitos resultam em penas exemplares, enquanto crimes de colarinho branco raramente culminam em condenações. Os processos que envolvem bancos falidos, contratos públicos adulterados ou fortunas inexplicáveis de agentes políticos são prolongados até à prescrição. A burocracia e os interesses ocultos transformam-se em instrumentos de impunidade.
Quando a justiça falha, a democracia é corroída. Os cidadãos percebem que a lei não se aplica a todos e que a corrupção compensa. Esta percepção alimenta o cinismo, mina a confiança e incentiva soluções autoritárias. Exigem-se reformas estruturais que tornem a justiça independente de interesses económicos e partidários, e que fortaleçam mecanismos de controlo democrático. A digitalização dos processos, a transparência nas investigações e a renovação de magistrados comprometidos com o interesse público são partes essenciais da resposta. Sem justiça real, o Estado de direito converte-se numa ficção conveniente para aqueles que dele se aproveitam.
↥ Voltar ao índiceCapítulo 5: A Morte do Bem Comum
O modelo neoliberal transformou bens comuns – como saúde, educação, água ou habitação – em mercadorias. A lógica do mercado infiltrou-se em serviços públicos que deveriam ser universais, convertendo direitos em produtos acessíveis apenas a quem pode pagar. A Oxfam alerta que três quartos dos governos planeiam cortes drásticos nas despesas públicas, incluindo saúde e educação, num total de 7,8 trilhões de dólares durante os próximos cinco anos【365349499515510†L137-L142】. Enquanto isso, as dívidas dos países pobres consomem mais do que investem em cuidados básicos【365349499515510†L137-L139】.
Os serviços públicos são assediados por regimes de austeridade, privatizações e modelos de concessão que transferem lucros para empresas privadas e deixam ao Estado os custos. Hospitais sem pessoal, escolas sem recursos e transportes públicos degradados tornam-se símbolos de um país que deixou de investir no bem comum. A morte do bem comum não é inevitável; decorre de escolhas políticas alinhadas com interesses minoritários. Recuperar o Estado social implica tributar justamente os ultra-ricos, reinvestir nas infraestruturas sociais e colocar a dignidade no centro das políticas públicas.
↥ Voltar ao índiceCapítulo 6: As Novas Ditaduras: Digitais, Financeiras, Sanitárias
A tecnologia, a finança e a saúde são pilares de controlo social no século XXI. Plataformas digitais dominam a comunicação e a economia, recolhendo dados pessoais que alimentam algoritmos opacos. Esta forma de vigilância corporativa, legitimada pela busca de lucro, ameaça a privacidade e condiciona comportamentos. Nos mercados financeiros, algoritmos e hedge funds movem biliões em milissegundos, desregulando economias nacionais. Crises são provocadas por especulação, como aconteceu com o mercado imobiliário global, mas os custos recaem sobre a população.
A pandemia evidenciou ainda uma governança sanitária dominada por interesses privados: patentes farmacêuticas bloquearam o acesso universal às vacinas, e as desigualdades na saúde aprofundaram-se. Alguns países apropriaram-se de doses necessárias a outros, enquanto empresas farmacêuticas registavam lucros recorde. Estas novas ditaduras exigem uma regulação global. Precisamos de legislação para proteger dados pessoais, de sistemas financeiros transparentes que priorizem investimentos produtivos e de uma saúde pública global que não subordine a vida ao lucro. Uma democracia saudável não pode aceitar que as suas decisões sejam determinadas por algoritmos invisíveis ou consórcios financeiros que operam sem escrutínio.
↥ Voltar ao índiceCapítulo 7: Sinais do Retrocesso Civilizacional
Além de indicadores económicos, o retrocesso civilizacional manifesta-se em ataques às liberdades civis, à pluralidade e ao respeito pelos direitos humanos. O relatório anual da V-Dem demonstra que a erosão democrática é mais profunda e abrangente do que nas décadas anteriores. Países como Belarus, Gabão, Líbano e Níger regrediram de autocracias eleitorais para autocracias fechadas【860215054136668†L103-L111】, enquanto democracias como Coreia do Sul, Argentina e Roménia enfrentaram tendências autoritárias【860215054136668†L113-L118】.
A mesma análise indica que quase 40 % da população mundial vive sob regimes autoritários, e que a quantidade de democracias liberais é a mais baixa desde o fim da Guerra Fria【860215054136668†L90-L96】. O International IDEA aponta que, entre 173 países, 79 apresentaram enfraquecimento de indicadores cruciais para a democracia, como eleições credíveis e liberdade de expressão【860215054136668†L137-L145】.
Estas estatísticas são acompanhadas por retrocessos em direitos das mulheres, direitos das minorias e proteção ambiental. Governos populistas atacam a imprensa livre e as instituições independentes, acusando-as de inimigas do povo. A polarização é alimentada por campanhas de desinformação e discurso de ódio, tornando a esfera pública um campo minado. O retrocesso civilizacional é um alerta: sem ação concertada, poderemos regressar a formas de dominação que julgávamos ultrapassadas, com consequências devastadoras para as gerações futuras.
↥ Voltar ao índiceCapítulo 8: A Voz Silenciada da Cidadania
Num clima de desigualdade extrema, as pessoas mais vulneráveis perdem voz. A investigação do Centro de Estudos da Universidade de Chicago demonstra que a desigualdade económica é um forte preditor de erosão democrática: democracias altamente desiguais são mais propensas a eleger líderes que atacam instituições【636097852654339†L50-L54】. Os autores mostram que a globalização e a desregulamentação, ao longo das últimas décadas, ampliaram a desigualdade, criando terreno fértil para que líderes autoritários explorem sentimentos de frustração e descrença nas elites【636097852654339†L64-L69】.
A mesma pesquisa conclui que líderes regressivos fomentam a polarização, alimentando a indignação contra instituições democráticas e minorias【636097852654339†L88-L96】. Eles utilizam a desigualdade como arma, manipulando ressentimentos e consolidando poder à custa das liberdades. A cidadania ativa é abafada por esta confluência de desigualdade, manipulação e repressão. Movimentos sociais são criminalizados, jornalistas são atacados e académicos sofrem censura. É urgente reconstruir o espaço público para que as pessoas possam participar de forma plena, deliberativa e informada. Sem voz cidadã, a democracia transforma-se num ritual vazio, incapaz de responder às necessidades do povo.
↥ Voltar ao índiceCapítulo 9: O Povo que Desperta – Exemplos, Revoltas e Esperança
Apesar do cenário sombrio, a história recente mostra que os cidadãos não se resignaram. Em diversos países, milhões tomaram as ruas para defender o Estado de direito, exigir justiça social e reclamar a dignidade. O relatório de V-Dem recorda que, na Coreia do Sul, após o presidente decretar estado de emergência sem justificação, o parlamento revogou a decisão e greves massivas exigiram a sua demissão【860215054136668†L113-L120】. Este episódio demonstra que a resistência pode reverter medidas autoritárias quando a sociedade civil está mobilizada.
Movimentos como o Black Lives Matter, as marchas das mulheres, as greves climáticas de Greta Thunberg e as manifestações pela democracia em Hong Kong e Myanmar são sinais de um despertar global. Estas lutas partilham uma convicção comum: os direitos não são concedidos, mas conquistados através da solidariedade. No Brasil, a resistência indígena e as ocupações urbanas enfrentam a violência estatal; em Portugal, os protestos contra a corrupção e a degradação dos serviços públicos revelam uma sociedade que não aceita o retrocesso. Cada ato de mobilização é uma semente de esperança, mostrando que o povo pode exigir mudanças quando se organiza.
↥ Voltar ao índiceCapítulo 10: Por uma Nova Democracia Ética e Participada
Reerguer a democracia exige repensar as suas bases. Estudos do Atlantic Council demonstram que a narrativa de que a liberdade política atrapalha o crescimento económico é falsa: pesquisas recentes mostram que a democratização aumenta o PIB per capita em média 8,8 % após vinte anos, em comparação com regimes autocráticos【481937577162535†L32-L49】. Este mesmo relatório alerta que a deterioração da liberdade política, iniciada em 2012, continua e afeta países de todas as regiões e níveis de rendimento, corroendo direitos fundamentais e enfraquecendo o controlo do poder executivo【481937577162535†L51-L64】. Se a erosão democrática não tem efeitos económicos imediatos, ela traz riscos a longo prazo para a prosperidade【481937577162535†L51-L64】.
Uma nova democracia deve combinar participação direta com representação efetiva. É preciso institucionalizar referendos deliberativos, assembleias cidadãs e mecanismos de orçamento participativo. As tecnologias digitais podem ser aliadas se forem públicas, transparentes e inclusivas. A reforma também passa por restabelecer a justiça fiscal: taxar grandes fortunas e lucros extraordinários para financiar o bem comum. Empresas que exploram recursos naturais e serviços públicos devem ser reguladas e, quando necessário, nacionalizadas para garantir que o lucro não se sobreponha ao interesse coletivo. Finalmente, uma democracia ética exige educação cívica em todos os níveis, promovendo valores de solidariedade, empatia e respeito pelo ambiente. Somente cidadãos críticos e informados podem construir instituições que resistam à tentação da corrupção e do autoritarismo.
↥ Voltar ao índiceCapítulo 11: Epílogo – O Futuro Começa com Verdade
Chegados ao final desta jornada, resta uma certeza: a democracia não é um ponto de chegada, mas um caminho permanente. Enfrentamos a ameaça do capitalismo selvagem e o retrocesso civilizacional, mas também temos a oportunidade de reinventar as nossas sociedades com base na justiça, na equidade e na transparência. O futuro começa com a verdade. A verdade sobre a concentração obscena de riqueza, sobre a destruição do planeta, sobre a violência institucional e sobre o poder das pessoas quando se unem.
Ao longo destas páginas, vimos como as estatísticas apontam para a decadência, mas também conhecemos histórias de resistência e propostas de transformação. O nosso desafio é transformar a indignação em projeto político, a frustração em ação solidária, o desespero em esperança organizada. Se a liberdade foi conquistada no passado com cravos e poesia, hoje terá de ser reconquistada com informação e coragem. A história não está escrita; cada gesto, cada palavra e cada voto podem contribuir para uma nova alvorada. Que este livro seja uma semente nesse terreno fértil de sonhos.
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“Os cidadão têm o poder que não julgam ter. Nós somos os únicos e verdadeirios detentores do poder. Somos a ùnica força “viva” da nação e quem pode reconstruir uma democracia sã, verdadeiramente democrática e livre de poderes assimétricos e secretos e de minorias portadoras da destruição do bem comum.” — FG.
Referências
- Relatório “Two decades of decline in the global state of democracy” (Demo Finland), que evidencia que apenas 6,6 % da população mundial vive em democracias plenas, 72 % vive em autocracias e que há mais autocracias do que democracias【860215054136668†L60-L71】【860215054136668†L90-L95】.
- Artigo de Isabel V. Sawhill na Brookings Institution, afirmando que os mercados são eficazes na alocação de recursos mas incapazes de resolver a desigualdade, as alterações climáticas ou a destruição de empregos, e que a crise de legitimidade leva ao populismo【584175277858052†L214-L223】【584175277858052†L223-L229】.
- Relatório da Oxfam (2023) que revela que o 1 % mais rico capturou quase dois terços de toda a nova riqueza criada desde 2020, enquanto centenas de milhões enfrentam fome e salários corroídos pela inflação【365349499515510†L93-L139】.
- Estudo do Tricontinental que sublinha a responsabilidade histórica dos países ocidentais nas emissões de carbono e a desigualdade extrema resultante do colonialismo e do capitalismo fóssil【574591850454507†L119-L136】.
- Dados do V-Dem que mostram a regressão de várias democracias e a transformação de autocracias eleitorais em autocracias fechadas, bem como o declínio global das liberdades【860215054136668†L103-L111】【860215054136668†L113-L118】.
- Estudo da Universidade de Chicago que identifica a desigualdade económica como um dos principais fatores de erosão democrática e descreve como líderes autoritários exploram a frustração social【636097852654339†L50-L54】【636097852654339†L64-L69】【636097852654339†L88-L96】.
- Relatório do Atlantic Council (2025) que demonstra que a democratização aumenta o PIB per capita em média 8,8 % após vinte anos e alerta para os riscos económicos do declínio das liberdades políticas【481937577162535†L32-L49】【481937577162535†L51-L64】.
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