Putin o Predador: A Paz Refém da Ameaça à Europa

- Em 2 de Dezembro de 2025, Vladimir Putin declara que a Rússia não quer guerra com a Europa, mas que estará "pronta imediatamente" se a Europa a iniciar.
- A declaração é feita poucas horas antes de Putin receber no Kremlin Steve Witkoff e Jared Kushner, enviados de Donald Trump, para discutir um plano de paz para a Ucrânia.
- Os Estados Unidos apresentaram um projecto de 28 pontos, visto como favorável a Moscovo, que prevê concessões territoriais da Ucrânia e limites ao seu aparelho militar, gerando forte resistência em Kiev e entre aliados europeus.
- Vários países europeus avançam com uma contraproposta, que Moscovo considera "inaceitável" e destinada a bloquear os esforços de Washington.
- Enquanto isso, Putin reivindica novos avanços militares na frente de Donetsk, afirmando que o exército russo tomou Pokrovsk – uma afirmação contestada pela Ucrânia.
Putin o Predador: A Paz Refém da Ameaça à Europa
1. O rugido antes da reunião
As palavras foram medidas, frias, quase burocráticas: a Rússia, garante Putin, não tem intenção de fazer guerra à Europa, mas se a Europa "quiser e começar", Moscovo está pronta. A frase cai no espaço público poucas horas antes de o presidente russo se sentar com os emissários de Donald Trump, Steve Witkoff e Jared Kushner, em mais um capítulo da novela de planos de paz para a Ucrânia.
É difícil ver isto como simples coincidência. O aviso não é apenas dirigido a Paris, Berlim ou Bruxelas – é também um recado para Washington: a paz que Trump quer vender ao mundo passa por um homem que se apresenta como pacificador com a boca e como predador com o arsenal inteiro atrás das costas.
2. O teatro dos planos de paz
O plano norte-americano de 28 pontos, cozinhado entre emissários de Trump, conselheiros russos e representantes ucranianos em reuniões discretas, surge carregado de concessões: fronteiras congeladas na linha de frente, manutenção do controlo russo sobre vastas regiões ocupadas, limitações ao exército ucraniano. Não é de admirar que Kiev e vários governos europeus tenham engolido em seco.
A Europa tenta então emendar o guião: quer alterar limites militares, redefinir condições territoriais e introduzir garantias de segurança que se aproximam, pelo menos simbolicamente, do artigo 5.º da NATO. É nesse momento que o predador mostra os dentes: para Putin, as exigências europeias são "inadmissíveis" e prova de que o Velho Continente está "do lado da guerra".
O jogo é velho: quem resiste a uma paz escrita em molde russo passa a ser pintado como inimigo da paz. O agressor veste a pele do moderado; quem não aceita o diktat é acusado de sabotar o fim do conflito.
3. A técnica do predador: medo, divisão, desgaste
Putin não precisa de invadir Paris ou Berlim para fragilizar a Europa. Basta-lhe algo mais subtil e, ao mesmo tempo, mais brutal: plantar o medo de uma escalada directa com Moscovo e explorar todas as fissuras entre aliados.
A ameaça de estar "pronto" para a guerra com a Europa é um triplo golpe:
- Golpe psicológico: manter sociedades europeias permanentemente à beira do pânico, cansadas de uma guerra longa e tentadas a aceitar qualquer "paz" que devolva normalidade, mesmo que à custa da Ucrânia.
- Golpe político: testar a solidez das alianças, alimentando partidos e correntes que defendem "cedências pragmáticas" a Moscovo em nome da estabilidade.
- Golpe negocial: entrar na sala com o tabuleiro inclinado – quem negoceia com um parceiro que ameaça a guerra fala sempre com o pescoço ligeiramente torcido para o lado do abismo.
A figura que emerge não é a do estadista prudente, mas a do predador que fareja o sangue e avança um centímetro de cada vez, sempre acusando a presa de ser culpada da sua própria ferida.
4. Trump, os emissários e a paz em saldo
Do lado norte-americano, a imagem também é desconcertante: um presidente que envia o genro e um magnata do imobiliário, Steve Witkoff, como negociadores-chave com o Kremlin, contornando canais diplomáticos clássicos e o próprio Departamento de Estado. Em vez de diplomacia de Estado, temos uma diplomacia de relações pessoais, jantares discretos e telefonemas que já deram escândalo noutras frentes.
A paz, nesta configuração, corre o risco de se tornar um negócio: um pacote que se apresenta como "fim da guerra" mas que, na prática, congela a agressão no mapa, legitima ganhos territoriais obtidos à força e limita severamente a capacidade futura da Ucrânia se defender.
É aqui que a palavra "predador" volta à mesa: um predador não procura paz, procura território seguro onde possa repousar em cima do que já conquistou, sem devolver o que roubou.
5. Europa entre a ilusão e o medo
Putin acusa os europeus de viverem na "ilusão" de poder infligir uma derrota estratégica à Rússia. Mas há outra ilusão igualmente perigosa: a de que se pode obter uma paz duradoura cedendo, pouco a pouco, à lógica do predador.
A Europa oscila entre dois fantasmas:
- o medo de uma guerra aberta com uma potência nuclear agressiva e revanchista;
- e o medo de trair a Ucrânia, aceitar um mapa redesenhado à força e abrir um precedente para futuras revisões de fronteiras à lei do canhão.
A verdadeira questão não é se a Europa "quer" ou não a guerra. A questão é se está disposta a aceitar uma paz em que a agressão compensa, o invasor é premiado e o agredido deve engolir o resultado em nome da estabilidade.
6. Predador, sim – mas não eterno
Olhar para Putin apenas como um monstro irracional é demasiado fácil – e perigosamente cómodo. Ele é um predador, sim, mas um predador político com método: testa fronteiras, mede reacções, explora brechas, usa o cansaço das democracias e o cinismo de certos negócios globais a seu favor.
Predadores assim não duram porque sejam invencíveis. Duram porque encontram um ecossistema internacional onde o medo, a dependência energética, os interesses económicos e o desgaste das opiniões públicas lhes dão espaço para avançar.
O dia em que esse ecossistema mudar – por escolha consciente das sociedades, por recomposição estratégica dos aliados, ou pelo simples esgotar de uma Rússia consumida pela própria guerra – o predador deixará de parecer inevitável e voltará a ser o que sempre foi: um homem concreto, responsável por decisões concretas, que podem e devem ser julgadas à luz do direito e da ética, não da resignação fatalista.
Epílogo: a paz que não pode ser rendição
No meio deste jogo cínico, convém recordar o óbvio que tanta gente prefere esquecer: a paz não é o simples silêncio das armas; é também a recusa de consagrar a injustiça como norma.
Uma paz construída sobre ameaças à Europa, concessões forçadas à Ucrânia e um prémio político para o agressor não é paz – é apenas intervalo entre guerras. Intervalo com data marcada para expirar.
Putin pode continuar a comportar-se como predador e a acusar os outros de não quererem a paz. A questão decisiva, para a Europa e para o mundo, é esta: aceitamos uma ordem internacional em que a paz é ditada pelo medo – ou procuramos, mesmo cansados, uma paz em que nenhum povo possa ser sacrificado no altar da conveniência geopolítica?
Fontes de enquadramento factual: declarações de Putin sobre estar "pronto" para uma guerra com a Europa e críticas às exigências europeias em torno do plano de paz para a Ucrânia, noticiadas por RTP, Sábado e outros meios; descrição da visita de Steve Witkoff e Jared Kushner a Moscovo como emissários de Donald Trump e do projecto de paz de 28 pontos, relatadas por Reuters, AP e registos de negociações recentes.