Portugal Cartão de Crédito dos Poderosos: A Solidão do Cidadão Indefeso

- O cidadão português sente-se cada vez mais sozinho face a sectores concentrados e tarifas inevitáveis.
- Em áreas essenciais, o mercado parece muitas vezes uma coreografia de preços e condições onde o consumidor dança sem música.
- Quando os reguladores não respondem ou a justiça se arrasta, a impunidade torna-se um método de negócio.
- A ausência de respostas institucionais corrói confiança democrática tanto quanto um escândalo explícito.
- Sem prazos úteis e fiscalização consequente, a lei passa a ser um relógio ao serviço de quem pode comprar tempo.
Portugal Cartão de Crédito dos Poderosos: A Solidão do Cidadão Indefeso
Há um país que vive sob uma ilusão confortável: a de que basta haver leis para haver justiça, e basta haver reguladores para haver defesa. Mas a vida real tem outro texto, mais curto e mais cruel: quando o poder económico é rápido e a máquina pública é lenta, o cidadão perde por exaustão.
Não estamos a falar de luxos ou caprichos. Falamos de pilares sem os quais ninguém vive com dignidade: banca, seguros, energia, telecomunicações, águas "publicas". Sectores essenciais onde a concorrência não é sempre uma estrada aberta, mas muitas vezes um corredor estreito com portas fechadas à partida.
O país das tarifas inevitáveis
Em teoria, o mercado é escolha. Em prática, nestas áreas, o mercado é resignação. O consumidor troca de operador como quem muda de cabine no mesmo navio: o mar é igual, a tempestade também.
E quando o cidadão suspeita de alinhamentos artificiais de preços, de cláusulas copiadas pela sombra, de subidas sincronizadas como um coro ensaiado, o caminho natural seria confiar na defesa pública. Só que demasiadas vezes a defesa pública responde com o silêncio ou com o atraso.
Reguladores que falam pouco e tarde
Um regulador não precisa de ser espectacular, mas precisa de ser visível. Precisa de responder, de explicar, de deixar claro ao cidadão que a sua queixa não caiu num poço sem fundo. Porque o silêncio institucional é uma pedagogia inversa: ensina a desistir.
Quando uma entidade a quem se recorre para defesa do consumidor não dá sinal de vida, mesmo que esteja a trabalhar internamente, o efeito público é devastador: parece que o sistema está desenhado para ouvir os grandes e cansar os pequenos.
A prescrição como arte de fugir pela porta do tempo
Em casos de grande dimensão económica, a justiça não pode ser uma corrida de resistência em que vence quem tem mais fôlego financeiro. Porque quando o processo se arrasta anos a fio, a prescrição deixa de ser garantia de equidade e torna-se uma estratégia de sobrevivência jurídica.
E o cidadão aprende a lição mais amarga: não é preciso estar inocente; basta estar bem defendido e suficientemente paciente.
A captura invisível
O problema não precisa de uma conspiração formal para existir. Basta a soma de pequenas complacências: regulamentação lenta, fiscalização escassa, processos que envelhecem até perderem dentes, e uma cultura política que confunde "estabilidade do sistema" com "conforto dos incumbentes".
É assim que nasce a sensação colectiva — justa ou injusta, mas profundamente corrosiva — de que o cidadão está só e de que o Estado é tímido diante de quem deveria vigiar.
Epílogo: o dia em que o cidadão deixou de acreditar
Um país não se parte apenas por crises económicas. Parte-se quando a confiança deixa de ser um bem público. Quando o cidadão conclui que reclamar não altera nada, que denunciar não acelera nada, que esperar é apenas aprender a perder.
A democracia não vive só de votos; vive de protecção quotidiana. E se essa protecção falha no essencial, o resto torna-se decoração constitucional.
O que precisamos não é de discursos mais bonitos, mas de mecanismos mais rápidos, de reguladores com presença e memória, de justiça com prazos que não sejam piadas trágicas. Porque um Estado que não consegue proteger os seus cidadãos contra abusos sistémicos começa a parecer menos um árbitro e mais um espectador cansado.
Co-autoria editorial: Augustus