Entre Cândido e a Revolta: As Duas Visões de Portugal

BOX DE FACTOS
- Portugal tem mais de 2 milhões de cidadãos no limiar da pobreza.
- A banca paga menos de 5% de imposto efectivo sobre os chorudos lucros.
- As barragens da EDP foram vendidas sem pagamento de imposto específico.
- A economia nacional depende cada vez mais de turismo e serviços de baixo valor.
- O 1.º de Dezembro recorda a coragem dos que desafiaram o poder instalado em 1640.
Entre Cândido e a Revolta: As Duas Visões de Portugal
Há quem olhe para Portugal e veja estabilidade, progresso e normalidade democrática. São os novos discípulos de Voltaire, que vivem ainda sob o encanto de "O Cândido": acreditam, com serena convicção, que as coisas estão "como devem estar". Esta visão confortável explica muita da complacência que atravessa o país — uma complacência que não é inocente: é um produto directo do hábito, do comodismo e da falta de confronto com a realidade profunda.
E depois há os outros. Poucos, sim — mas são os que ainda se recusam a aceitar este destino de decadência tranquila. São os que olham para os 50 anos de governança e perguntam, com razão, como é que um país que historicamente se superou tantas vezes se deixou reduzir a:
- um território de salários baixos,
- serviços públicos indecentes,
- uma economia frágil, sem indústria e tecnologicamente dependente do exterior,
- dependência total de turismo e serviços de baixo valor,
- e um sistema fiscal e de justiça, que esmaga os fracos para proteger os poderosos.
Os números estão aí e são teimosos: os mais pobres pagam impostos como se fossem ricos; os ricos pagam como se fossem convidados especiais do Estado. As barragens da EDP escaparam-se pelo corredor da negligência fiscal. A banca contribui com menos de 5% sobre os lucros chorudos — uma anedota trágica. [Ler explicação no final deste artigo, porque a banca paga impostos tão ridículos]. E os grandes grupos continuam a viver sob a sombra protectora de um sistema que faz da desigualdade o seu alicerce silencioso.
O conflito entre as duas visões
Estas duas formas de ver Portugal não são compatíveis. São antagónicas. De um lado está o conformismo protegido. Do outro, a inquietação dos que ainda têm a ousadia de exigir um país digno.
E a verdade é esta: a história — a verdadeira história — nunca foi escrita pelos que aplaudem o mundo como está. Foi sempre escrita pelos que recusam a mediocridade e pagam o preço de enfrentar os poderes instalados.
O exemplo esquecido do 1.º de Dezembro
Neste dia simbólico, vale a pena recordar que Portugal recuperou a sua independência não por obra do acaso, mas pela decisão destemida de um grupo de fidalgos que, apesar de confortáveis na vida, sabiam distinguir comodismo de dignidade.
Eles arriscaram tudo. E deram ao país uma nova oportunidade.
Hoje, falta-nos exactamente isto: coragem — coragem de desafiar os poderes podres, os sistemas fechados, os interesses instalados, a pobreza institucionalizada e a incompetência repetida que devora o país década após década.
Portugal precisa, mais uma vez, daqueles que não se resignam. Dos que têm a lucidez de ver a verdade e a coragem de a dizer. Dos que, à semelhança de 1640, recusam viver ajoelhados.
Co-autoria: Augustus Veritas Lumen
QUANTO PAGA DE IMPOSTOS REALMENTE A BANCA ?
- A taxa nominal de IRC para grandes empresas ronda os 21%, podendo aproximar-se dos 31,5% com derramas municipal e nacional.
- A banca, além do IRC, paga ainda a Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), calculada sobre passivos e derivados, não directamente sobre os lucros.
- As associações do sector apontam, em média, para taxas efectivas de IRC na casa dos 20% quando medidas sobre a matéria colectável fiscal.
- Contudo, em vários anos recentes, se compararmos o IRC pago com os lucros contabilísticos divulgados, a taxa "aparente" desce para valores na ordem dos 5–6%.
- Esta discrepância resulta sobretudo de prejuízos acumulados de anos anteriores, imparidades e activos por impostos diferidos, que permitem abater lucros futuros.
- Na prática, o sistema fiscal permite à banca pagar, durante vários anos, uma percentagem muito inferior de imposto sobre os lucros que apresenta, algo que o comum contribuinte não consegue fazer.