Europa à Beira do Abismo: Trump, Putin e o Suicídio Assistido do Ocidente

Box de Factos
• Trump insiste publicamente num encontro com Putin apesar de Moscovo ter recusado a proposta inicial.
• A reunião estava inicialmente prevista para Budapeste, mas foi travada pelo Kremlin e pelo contexto militar na Ucrânia.
• No mesmo período, Trump concedeu à Hungria uma exceção nas sanções energéticas à Rússia, enfraquecendo a posição europeia.

A Diplomacia da Insistência e o Teatro das Sombras

Donald Trump continua a declarar — agora ao lado de Viktor Orbán — que pretende reunir-se com Vladimir Putin, mesmo depois de o Kremlin ter recusado formalmente esse encontro nas últimas semanas. Não é ingenuidade: é método. Trump governa pela repetição performativa, onde desejar algo publicamente é já um acto de força. A diplomacia transforma-se em espectáculo, e o espectáculo em narrativa interna de poder.

O problema é que esta encenação tem custos reais. Quando um presidente norte-americano insiste num encontro que Moscovo rejeita, não demonstra força — demonstra ansiedade estratégica. E Putin lê esses gestos como sinais de desunião no Ocidente, não como boa-fé.

Orbán: O Aplauso Perfeito no Palco Errado

Dizer isto perante Orbán acrescenta outra camada simbólica. A Hungria tornou-se o cavalo de Tróia do Kremlin dentro da União Europeia, minando consensos, bloqueando decisões e ecoando a narrativa anti-Bruxelas.

Para Trump, Orbán é o público ideal: aplaude, legitima e partilha a visão iliberal do "líder forte" que não responde senão à sua própria vontade. Para a Europa, é um mau presságio: significa que a ponte entre Washington e o Leste autoritário está a ser construída à vista de todos — e sem supervisão democrática.

Um Suicídio Assistido da Europa

A Europa enfrenta um risco existencial. Se Trump regressar à Casa Branca com um programa de distanciamento da NATO, abertura a Putin e erosão do multilateralismo, o continente ficará exposto numa escala que não se via desde antes de 1945.

O impacto é brutal:

  • Orçamentos de defesa a subir entre 2% e 4% do PIB.
  • Menos investimento em inovação, educação, tecnologia e energia limpa.
  • A Alemanha em colapso industrial progressivo.
  • A França a refugiar-se em proteccionismo desesperado.
  • O sul da Europa reduzido a periferia irrelevante num tabuleiro que já não controla.

A Europa, sem escudo americano, torna-se presa fácil de pressões energéticas, ciberataques e chantagens políticas. Putin não precisa de tanques para conquistar influência — basta-lhe a divisão interna e a hesitação estratégica.

Os EUA: Uma Tragédia Económica Anunciada

Há um mito perigoso na narrativa trumpista: o de que os EUA podem aproximar-se de Moscovo sem custos. Nada poderia estar mais errado. A simples ideia de instabilidade nas alianças ocidentais:

  • desestabiliza mercados,
  • assusta investidores,
  • fragiliza o dólar,
  • e aliena aliados estratégicos como Japão, Coreia do Sul e Taiwan.

Uma América que corteja Putin é uma América em que o mundo deixa de confiar — e sem confiança, a economia americana perde o seu maior activo: a centralidade sistémica.

Putin: O Único Beneficiário

Neste triângulo de equívocos e ilusões, apenas Putin ganha. Ganha porque vê o Ocidente dividido. Ganha porque enfraquece a NATO sem disparar um tiro. Ganha porque cada gesto de aproximação de Trump valida a sua estratégia de longo prazo: fragmentar o mundo democrático.

O Risco Civilizacional

O que está em causa não é apenas a economia, nem o equilíbrio militar. É a própria ideia de modernidade democrática. Se a Europa der o passo final da sua lenta capitulação estratégica e se os EUA cederem à tentação autoritária revestida de espetáculo, então o Ocidente perderá a alma — não por inimigos externos, mas por escolhas internas.

As civilizações raramente morrem assassinadas. Morrem, quase sempre, de dentro para fora. Por exaustão. Por ingenuidade. Por insistirem na ilusão de que nada pode correr realmente mal.

Conclusão: Ainda Não Está Tudo Perdido

A lucidez é o primeiro acto de resistência. Identificar o perigo é o primeiro passo para impedir a queda. A Europa ainda pode reinventar-se, reforçar a autonomia, acelerar a transição tecnológica e recuperar grandeza que adormeceu nas últimas décadas.

Mas para isso, precisa de uma coisa simples e rara: coragem política. A coragem de não se deixar suicidar pelo teatro da geopolítica populista.

Artigo escrito por Francisco Gonçalves & Augustus Veritas Lumen, no espírito da série "Contra o Teatro da Mediocridade".

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