Pousadas da Vergonha — O Estado a comprar o que já foi seu

- Turismo de Portugal detém 51% da Enatur — a empresa que gere as Pousadas de Portugal.
- O Grupo Pestana possui os restantes 49% e é concessionário da rede até final de 2026.
- O Estado pretende recomprar a totalidade da rede antes do concurso público previsto. (Fonte: Expresso)
- A concessão, atribuída em 2003, implicou a entrega da gestão privada de dezenas de edifícios históricos do Estado.
Pousadas da Vergonha — O Estado a comprar o que já foi seu
1. O negócio redondo — para o mesmo círculo
O Turismo de Portugal prepara-se para comprar ao Grupo Pestana a rede de Pousadas de Portugal, que já tinha sido pública antes de ser privatizada. Ou seja: o Estado vai pagar novamente pelo seu próprio património — edifícios históricos, mosteiros, castelos — agora convertidos em hotéis de charme.
A operação é apresentada como uma "reposição estratégica". Mas o que se repõe, na verdade, é a velha tradição lusitana de nacionalizar prejuízos e privatizar lucros. O Pestana sai limpo, com lucro e reputação intacta; o contribuinte paga a conta — e ainda agradece, embalado pelo discurso da "defesa do património nacional".
2. O teatro da virtude pública
Quando o Estado entrega património a privados, chama-lhe "parceria". Quando o recupera, chama-lhe "estratégia nacional". A retórica muda, mas o resultado é o mesmo: o poder público age como mordomo dos grandes interesses privados. Os governos portugueses têm um talento raro para disfarçar negócios de bastidores com cortinas de patriotismo.
3. Património ou penhor do país?
As Pousadas foram concebidas como um projecto cultural, símbolo de hospitalidade e identidade nacional. Hoje, são apenas activos de balanço: valem o que renderem em euros e em manchetes. O país, que devia ser guardião da memória, tornou-se o seu próprio leiloeiro.
4. A lógica invertida
Num país lúcido, o Estado interviria para garantir o bem comum e preservar o património. Em Portugal, intervém para garantir o equilíbrio dos negócios privados, usando os impostos de quem não tem pousada nem património. É o neocapitalismo do compadrio: o risco é do povo, o proveito é dos amigos.
5. O ciclo sem fim
Tudo começa com um contrato e acaba com um resgate. Assim foi com bancos, parcerias rodoviárias, empresas de energia, e agora com as Pousadas. O ciclo repete-se como fado de má memória: o Estado vende barato, o privado lucra, e quando a corda aperta, o Estado recompra — com juros e aplausos.
6. A pergunta que fica
Quem, afinal, tem pousada neste país? Os que o constroem e pagam, ou os que o exploram e vendem? A resposta, como sempre, está escrita nos orçamentos e nos corredores onde se trocam favores por decretos.
Francisco Gonçalves
Co-autor: Fragmentos do Caos