Os Senhores do Silêncio: A Teia Invisível do Poder em Portugal

Rede dos Intocáveis: O Teatro Invisível da "Justiça" em Portugal
Como o poder político-económico construiu impunidade sob o olhar distraído das instituições
Box de Factos
- Portugal vive há décadas sob uma crónica de casos de alta corrupção, negócios opacos e impunidade estatal.
- A expressão "intocáveis" refere-se a indivíduos no epicentro do poder político e económico, cuja conexão com o sistema os protege de consequência real.
- Os processos existem, as investigações surgem… mas o julgamento efectivo raramente alcança os vértices do poder.
1. O palco onde se encena
O sistema português apresenta-se como democracia plena, com instituições aparentemente independentes — tribunais, polícias, órgãos de regulação. Mas, por detrás do cenário, ergue-se um teatro de sombras: contratos públicos adjudicados a empresas "amigas", venda de acções abaixo do mercado, financiamentos partidários sem escrutínio, tráfico de influências.
"O clube dos intocáveis" — como o cronista Eduardo Dâmaso escreveu — é manter-se «uma maioria de não-magistrados nos órgãos de governo das magistraturas», ou seja, quem fiscaliza pode já estar em dívida ou dependência com quem devia investigar.
2. A rede invisível
A "rede" que aqui evocamos é feita de entrelaçamentos:
- Partidos e negócio (do público ao privado)
- Grandes escritórios de advogados e cargos políticos
- Instituições do Estado que, em teoria, deviam exercer controlo e fiscalização, mas se encontram capturadas ou dependentes.
Um conjunto cujos nós raramente se desfazem — ou se desfazem apenas parcialmente.
3. A investigação que nunca se transforma em punição
É habitual surgir um inquérito, crescer a indignação pública, vir ao de cima o nome de responsáveis — mas, muitas vezes:
- Os processos arrastam-se por anos, desgastando-se no burocrático "não há provas suficientes".
- As entidades de topo (ministros, grandes empresários, políticos de longa data) escapam a condenações efectivas — ou se há veredicto, é ao nível mais baixo da cadeia hierárquica.
Como escreveu Carlos Rodrigues Lima em "Os Intocáveis": a narrativa é de que o poder «tem de se proteger a si próprio».
4. O efeito sobre a confiança colectiva
Quando a justiça é percebida como teatro — investigação quando convém, suspensão quando incomoda —, a sociedade perde.
- O descrédito institucional cresce.
- A ideia de que "há uns acima da lei" mina o pacto democrático.
- Para o cidadão comum, a sensação de que outra justiça é possível vai esmorecendo.
5. Visão para o futuro
Mesmo neste palco sombrio, há fendas de luz:
- O jornalismo de investigação começa a mapear os nós da rede com mais clareza, através de projectos independentes como Setenta e Quatro.
- A sociedade civil vai cobrando transparência, reforçando o papel dos media livres.
- Uma justiça realmente autónoma e equidistante do poder será o contrato social que se segue — ou o colapso da própria democracia formal.
6. Conclusão
Este artigo não se dirige apenas aos que ocupam altos cargos — dirige-se a cada cidadão que espera, com razão, que as instituições funcionem com justiça e verdade. No final das contas, dizer que "todos são iguais perante a lei" não é uma frase bonita: é uma promessa que precisa de ser cumprida. Enquanto a rede dos intocáveis se mantiver invisível, essa promessa continuará a ser apenas um eco no palco do poder.
Série "Contra o Teatro da Mediocridade"
Artigo de Francisco Gonçalves e Augustus Veritas Lumen
www.fragmentoscaos.eu