Os Donos da Democracia e os Inquilinos do Voto

BOX DE FACTOS
- Marques Mendes afirmou recentemente que "há candidatos sem experiência política", sugerindo que tal os desqualifica.
- A frase foi interpretada como defesa da ideia de que apenas os políticos profissionais devem exercer poder.
- O conceito de "experiência política" tem sido usado para excluir cidadãos independentes da vida pública.
- Portugal vive há décadas sob uma democracia dominada por partidos e elites fechadas.
Experiência Política: O Códice Secreto da Casta
Há frases que, ditas em tom de comentário, revelam a arquitectura secreta do poder. Quando Marques Mendes afirma que "há candidatos sem experiência política", não descreve uma realidade — define uma fronteira. A fronteira entre os que mandam e os que apenas votam. Entre o cidadão e o súbdito democrático.
Em Portugal, "experiência política" tornou-se uma senha de acesso a um sistema fechado. Significa conhecer o circuito, dominar o teatro, saber quem se deve bajular e quem se deve esquecer. É a experiência de sobreviver nas máquinas partidárias, não a de servir o país. É a competência de permanecer, não a coragem de mudar.
A casta dos políticos profissionais
A frase de Marques Mendes é um espelho do regime. A democracia portuguesa transformou-se num condomínio de profissionais da política, onde quem não fala a linguagem dos corredores é tratado como intruso. O cidadão comum, o académico, o empresário ou o técnico que queira participar é olhado com suspeita — como se ousasse invadir uma liturgia reservada aos iniciados.
Os partidos deixaram de ser instrumentos da cidadania para se tornarem estruturas de carreira. E a cidadania, por sua vez, foi reduzida ao acto periódico de votar — um ritual que legitima o sistema, mas que não o renova.
A experiência que mata a inovação
Chamar "inexperiente" a quem vem de fora é uma forma elegante de dizer "indesejado". É o modo como o poder perpetua a mediocridade: fingindo que a rotina é sabedoria, que o conformismo é prudência e que o vício é experiência. Os que dominam o sistema temem o olhar fresco, o pensamento livre, a ética que não deve favores.
"A experiência política em Portugal é o ofício de conservar o que está errado."
A democracia aprisionada
Quando se defende que só os "experientes" devem governar, mata-se o coração da democracia. Porque a democracia vive do inesperado, da renovação, da entrada do novo — não do protocolo dos velhos. O que Marques Mendes chama de "experiência" é, na verdade, a couraça do sistema: uma camada de hábitos e favores que impede o ar fresco de entrar.
O cidadão português foi educado a acreditar que a política é um terreno técnico, inacessível ao comum mortal. É o maior triunfo da oligarquia: convencer o povo de que não tem competência para se governar.
Epílogo
A democracia será sempre frágil enquanto for tutelada por quem se julga dono dela. O futuro só começará quando os "inexperientes" tiverem a audácia de romper o cerco e devolver à política o que ela perdeu — a decência, a verdade e o risco.
Artigo de opinião em co-autoria por Francisco Gonçalves & Augustus Veritas. Formato FC-Chronic-News com metadados Google News integrados.