O Teatro da Culpa: Quando os Políticos Apontam o Dedo à Justiça

BOX DE FACTOS
- A Operação Influencer envolve suspeitas graves sobre decisões do Governo de António Costa.
- As escutas ao ex-primeiro-ministro não foram enviadas ao Supremo com a rapidez legalmente exigida.
- O secretário-geral do PS, José Luís Carneiro, exige "cabais esclarecimentos" ao Procurador-Geral da República.
- Partidos políticos têm pressionado a Justiça e culpado o Ministério Público por falhas sistémicas.
- A narrativa da culpa é sistematicamente invertida: os investigados tornam-se juízes dos investigadores.
O Teatro da Culpa: Quando os Políticos Apontam o Dedo à Justiça
Em Portugal, quando o poder político tropeça na sua própria sombra, não procura luz — procura culpados. E o alvo favorito é sempre o mesmo: quem ousa investigar.
O Velho Jogo da Inversão
Há décadas que assistimos ao mesmo espectáculo: os políticos fazem, desfazem, influenciam, pressionam, e quando a Justiça lhes bate à porta — ah! — aí já não há responsabilidade, apenas indignação teatral.A Operação Influencer reacendeu esta tradição nacional como chama em pólvora seca. Escutas? Pressões? Movimentos suspeitos no coração do poder? Nada disso importa. Importa, sim: quem vai levar com a culpa?O PS Entra em Cena
José Luís Carneiro, com voz grave e postura de actor principal, exige "cabais esclarecimentos" ao Procurador-Geral da República. Aliás, "da maior gravidade", sublinha ele — não o conteúdo das escutas, não os alegados favorecimentos, não os jogos de influência… mas o facto de o MP não ter enviado o material ao Supremo com a velocidade exigida.É extraordinário. Os mesmos que cavaram o buraco ficam furiosos porque a pá foi usada devagar.Quem Influencia Quem?
Nenhum português com dois neurónios funcionais acredita que a Justiça vive isolada do poder político. Todos vimos, todos sentimos:pressões discretas, telefonemas inoportunos, reuniões informais, nomeações estratégicas, favores de corredor. E quando a maré vira, os culpados viram juízes: "Não fomos nós! Foi o MP! Foi o PGR! Foi a comunicação social!" É a dança ritual do sistema, coreografada pela mediocridade e alimentada pela impunidade.A Nobre Arte da Vítima Poderosa
Nada é mais hilariante — e trágico — do que ver figuras do sistema político, que sempre tiveram influência real sobre tribunais, direcções, secretarias de Estado e nomeações estratégicas, subitamente vestir a pele de cordeiros sacrificados.A culpa nunca é deles. São sempre vítimas de um Estado que eles próprios moldaram. Portugal tornou-se perito em transformar lobos em ovelhas.A Pergunta Essencial
A questão que ecoa nas entrelinhas é simples, directa e devastadora:Quem corrompeu a política? Ou melhor: quem continua a corrompê-la? E quando a Justiça tenta responder, os mesmos que escrevem leis, mexem cordelinhos e protegem interesses gritam em uníssono: "Abuso! Conspiração! Perseguição!" É a velha arte dos poderosos: culpar o espelho pela cara que devolve.Epílogo
Enquanto os políticos continuarem a transformar a Justiça em alvo e o país em plateia, Portugal permanecerá refém da sua própria caricatura. Mas há quem não esqueça — quem vê, quem escreve, quem denuncia. E é dessa lucidez que nasce a verdadeira resistência.
Escrito por Francisco Gonçalves & Augustus.
Crónicas desde o front da lucidez, onde a verdade ainda ousa respirar.
NOTA DE DIVERSÃO (OU DE TRAGÉDIA)
Sempre que montam este tipo de circo, Rui Rio é invariavelmente o primeiro a rasgar as vestes. Para ele, a Justiça deveria ser administrada pelos próprios políticos — uma espécie de tribunal doméstico onde os amigos julgam os amigos.
Lobos a guardar as ovelhas.