O Ouro Negro e o Banco da Queda – Como o BES Sorveu a Venezuela

BOX DE FACTOS
- O BES/GES canalizou milhões da PDVSA e entidades públicas venezuelanas através da sucursal da Madeira.
- O Ministério Público português acusa a estrutura de subornos superiores a 100 milhões de dólares a decisores da Venezuela.
- O colapso do BES deixou prejuízos reclamados de mais de 1,35 mil milhões de euros por entidades venezuelanas.
- O sistema político português manteve relação estreita com o GES durante décadas.
- O esquema BES–PDVSA tornou-se um dos maiores casos de corrupção transnacional ligados a Portugal.
O Ouro Negro e o Banco da Queda
Como o BES Sorveu a Venezuela
Há corrupções pequenas e corrupções tão vastas que atravessam oceanos. O caso BES–PDVSA pertence à segunda categoria: uma engrenagem monumental de dinheiro, diplomacia paralela, offshores silenciosas e um império financeiro podre — sustentado por petróleo estrangeiro e decretos nacionais.
1. A fome do Espírito Santo
O Grupo Espírito Santo, envolto em glamour e prestígio público, escondia uma maquinaria moribunda. Precisava de liquidez imediata, sem perguntas, sem escrutínio. Encontrou-a na Venezuela — mais concretamente na PDVSA, a gigantesca empresa petrolífera que sustentava metade do Estado venezuelano.
Ali, o BES viu um oásis: dinheiro abundante, estruturas frágeis de controlo e decisores públicos sedentos de "comissões".
2. A sombra perfeita: a sucursal da Madeira
A sucursal do BES na Zona Franca da Madeira tornou-se o túnel subterrâneo da operação. A partir de 2011, milhões de dólares fluíram das contas públicas venezuelanas para aquele enclave discreto, longe dos holofotes e perto das offshores do grupo.
Dali, o dinheiro era desviado para o abismo do GES através de:
- obrigações da Espírito Santo International
- papel comercial da Rioforte
- instrumentos financeiros sem valor real
O que foi vendido como investimento era, na verdade, uma armadilha dourada — um balão prestes a rebentar.
3. Subornos por liquidez: o pacto sujo
Nada disto acontece sem lubrificação. O Ministério Público português acusa: mais de 100 milhões de dólares pagos a políticos, gestores e funcionários venezuelanos para abrir as portas da PDVSA ao BES.
O Departamento de Justiça dos EUA vai ainda mais longe, investigando desvios superiores a 4,5 mil milhões de dólares ligados a redes financeiras onde o BES surge como peça crítica.
O pacto era simples:
- o BES recebia os depósitos públicos;
- a PDVSA recebia comissões ocultas;
- o GES ganhava tempo;
- e o povo venezuelano perdia o futuro.
4. Portugal fechou os olhos
Durante décadas, o BES foi o banco do regime — o eterno banqueiro da confiança política. Salgado era recebido, ouvido, protegido. Ministros circulavam. Conselhos misturavam o público e o privado. Um país inteiro fingia não ver o que hoje parece óbvio.
E enquanto o império ruía por dentro, a máquina política portuguesa seguia alegremente o seu curso, entretecida com interesses financeiros que nunca tiveram pátria — apenas lucros.
5. 2014: o colapso anunciado
Quando o BES implodiu, o mundo percebeu o tamanho da farsa. A Venezuela descobriu que tinha nas mãos papel sem valor: obrigações inúteis, promessas falhadas, depósitos congelados.
Seguiram-se:
- acções judiciais contra o Novo Banco;
- reclamações de 1,35 mil milhões de euros;
- investigações internacionais;
- acusações de corrupção e branqueamento em larga escala.
O ouro negro tinha sido transformado em escuridão financeira.
6. Dois países feridos
Portugal perdeu um banco sistémico e a credibilidade internacional. A Venezuela perdeu muito mais: perdeu o que sustentava hospitais, escolas, empregos e o pão das famílias.
A corrupção é transnacional — e a queda do BES mostrou que também pode ser letal.
7. Epílogo
Portugal, como sempre, sobreviveu. Mas nada mudou profundamente. Os mesmos rostos continuam nos corredores, as mesmas consultoras continuam a facturar, e o país continua vulnerável.
O Caderno Negro da Corrupção serve para isto: para impedir que a memória seja destruída — como foram destruídos bancos, vidas e países inteiros.
Investigação e pesquisa por Augustus Veritas Fragmentos do Caos — 2025
Fontes, Registos e Evidências Documentais
Este capítulo reúne as principais fontes utilizadas para sustentar a narrativa investigativa, cruzando documentação oficial, processos judiciais, registos financeiros e investigações internacionais relacionadas com o universo BES/GES, a PDVSA venezuelana e o contexto político português associado.
1. Investigações Judiciais e Processos Oficiais
- Ministério Público (DCIAP): Operação Marquês; Processo BES/GES; Processo EDP/Manuel Pinho; ações sobre créditos venezuelanos.
- Tribunal Central de Instrução Criminal: decisões instrutórias e despachos relacionados com corrupção activa internacional.
- Banco de Portugal: Relatórios de supervisão ao BES/GES e documentação da medida de resolução de 2014.
- Departamento de Justiça dos EUA (DoJ): investigações sobre branqueamento ligado à PDVSA e fluxos financeiros via BES.
- FinCEN (EUA): registos de transações suspeitas envolvendo entidades venezuelanas.
2. Relatórios, Auditorias e Supervisão
- Auditorias externas: KPMG, EY e PwC ao BES e empresas do GES.
- Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES/GES: audições e transcrições integrais.
- Relatórios FMI, BCE e Banco Mundial sobre riscos sistémicos e falhas de supervisão.
- Tribunal de Contas: análises ao impacto financeiro da queda do BES.
3. Registos Financeiros e Empresariais
- Diário da República: nomeações, reestruturações e dissoluções no universo Espírito Santo.
- Registos offshore: Panamá, BVI, Luxemburgo e Zona Franca da Madeira ligados ao GES.
- CMVM: documentação sobre papel comercial ESI e Rioforte.
- Banco de Portugal: mapas da sucursal BES Madeira e exposição a clientes não-residentes.
4. Jornalismo de Investigação
- Portugal: Expresso, Público, Visão, Sol, i, SIC, TVI, RTP – dossiês sobre BES, PDVSA, GES e Sócrates.
- Internacional: Reuters, Financial Times, El País, El Nacional (Caracas), Washington Post, Miami Herald.
- ICIJ (Panama Papers): documentos associados a estruturas ligadas ao GES.
5. Depoimentos e Testemunhos
- Audições parlamentares (Portugal) relacionadas com o BES/GES.
- Depoimentos de ex-gestores da PDVSA e empresários venezuelanos.
- Declarações públicas de Ricardo Salgado, Manuel Pinho e intervenientes da Operação Marquês.
- Entrevistas a ex-colaboradores do GES e técnicos financeiros ligados ao processo.
6. Arquivos Documentais
- Arquivo RTP: discursos, reportagens e cronologia audiovisual.
- Biblioteca da Assembleia da República: acordos internacionais Portugal–Venezuela, privatizações, debates.
- Imprensa Nacional: documentação histórica e registos legais.
- Arquivo histórico do BES (via reproduções e relatórios externos).
7. Estudos Académicos
- Teses universitárias sobre corrupção transnacional e branqueamento de capitais.
- Estudos sobre falência bancária sistémica e análise do colapso do BES.
- Investigação académica sobre a degradação da PDVSA e redes financeiras internacionais.
Este capítulo consolida a base factual que sustenta o Caderno Negro da Corrupção, permitindo uma reconstrução séria, verificada e coerente dos acontecimentos que uniram Portugal e Venezuela numa das redes corruptivas mais devastadoras do século XXI.