🜂 BOX DE FACTOS

Portugal é uma democracia madura — mas envelhecida. A liberdade existe, porém vive aprisionada pela apatia e pela mediocridade estrutural. Este pequeno ensaio propõe uma reflexão lúcida e dolorosamente necessária.

Portugal Democrático: o Absurdo e o Silêncio

Há uma forma subtil de tragédia em Portugal: chama-se democracia sem consciência. Vive-se em liberdade, mas sem libertação. Vota-se, mas não se escolhe. Opina-se, mas nada muda. O país tornou-se uma comédia de repetição, onde os actores se revezam, mas o guião é o mesmo — e o público, sonolento, continua a aplaudir.

Camus diria que o absurdo nasce do confronto entre o desejo humano de clareza e o silêncio irracional do mundo. Pois bem — o absurdo português nasce do confronto entre a promessa da liberdade e a realidade da servidão moral. Não é o Estado que oprime — é o conformismo. Não é o censor que cala — é a indiferença.

A democracia portuguesa envelheceu como um vinho mal guardado: com as rolhas do medo e o travo da resignação. Cinquenta anos depois de Abril, a liberdade tornou-se um ritual litúrgico — uma missa sem fé. As palavras "povo soberano" são hoje um eco vazio num hemiciclo de carreiristas. O cidadão tornou-se espectador, o eleitor, cúmplice involuntário de uma encenação. E o poder, esse velho demiurgo, ri-se baixinho enquanto distribui cargos, comendas e promessas.

Há em nós uma sede de justiça que nunca encontrou fonte. Queremos ser modernos, mas arrastamos as correntes da conveniência. Falamos de direitos, mas esquecemos o dever de pensar. Erguemos bandeiras, mas tememos o vento que as poderia rasgar.

Camus acreditava que "a verdadeira generosidade para com o futuro consiste em dar tudo ao presente". Portugal, pelo contrário, esconde-se no passado e promete um futuro que nunca chega. A revolta que devia ter sido criadora tornou-se conformismo burocrático. O espírito de Abril — esse sopro de lucidez e coragem — foi substituído pela anestesia do subsídio, pela idolatria do partido, pela religião do pequeno favor.

E, no entanto, o povo continua bom. Trabalha, sofre, ri, e ainda acredita. Mas a bondade, sem lucidez, é uma forma de fraqueza. É preciso um novo despertar — não o das ruas em fúria, mas o das consciências em chamas. Um país não se ergue de decretos; ergue-se de dignidade.

Camus ensinou-nos que o homem revoltado é aquele que diz "não", mas cujo "não" implica um "sim" mais profundo — o "sim" à verdade, à justiça, à claridade. Portugal precisa desse "não". Não à mediocridade, não à corrupção, não ao teatro moral da política. Mas sobretudo, sim à lucidez, sim ao mérito, sim à beleza da honestidade.

No fundo, a democracia só será verdadeira quando cada português, ao olhar o espelho, puder dizer: "Hoje, fui livre — não porque o Estado mo permitiu, mas porque o medo não me venceu."


✍️ Augustus Veritas Lumen
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