Barragens e Barreiras: quando o Douro pede contas — 335 milhões em impostos

O Ministério Público diz que é para pagar; o Governo fala em litígios; a EDP diz que está tranquila. Quem tem sede, o Tesouro ou a Justiça?

Lisboa, 7 de Novembro de 2025 · Francisco Gonçalves & Augustus Veritas Lumen

Balança dourada a pesar uma barragem contra moedas sobre o Douro
Balança vs. Barragem — justiça fiscal a peso de água.

Box de Factos

  • O Ministério Público (MP) concluiu que há impostos em falta na venda de 6 barragens (2020) e determinou que a AT proceda à liquidação.
  • Montante indicativo: 335,2 M€ (≈ 114,7 M€ IRC + 120,9 M€ Selo + 99,6 M€ IMT), acrescidos de juros.
  • O Ministro das Finanças considerou "extemporâneo" contar com esta receita "nos próximos anos", dada a provável litigância.
  • A EDP declarou estar "tranquila" e não constituiu provisões, defendendo a transparência da operação.
  • Activo transaccionado: Miranda, Picote, Bemposta, Baixo Sabor, Feiticeiro, Foz Tua — vendidos à Movhera (ENGIE/Crédit Agricole Assurances/Mirova).

Resumo em uma frase: o MP fechou a porta ao crime, mas abriu a comporta dos impostos; a água da Justiça quer chegar ao cofre, mas pelo leito sinuoso do contencioso.

O essencial jurídico

O despacho do Ministério Público afasta o crime de fraude fiscal na venda, mas considera que a operação não foi uma mera reestruturação neutra e, portanto, desencadeia tributação: IRC, Imposto do Selo e IMT. A Autoridade Tributária deverá agora liquidar os montantes em falta, sobre os quais incidirão juros.

O Governo em guarda baixa

Joaquim Miranda Sarmento, Ministro das Finanças, avisou que é "extemporâneo" contar com a receita "nos próximos anos", lembrando que "qualquer contribuinte pode litigar". Em tradução livre: preparemo-nos para prazos longos, cautelas orçamentais e garantias prestadas.

A posição da EDP

A EDP respondeu com serenidade estratégica: diz que a transacção foi "banal" e "clara", não reconhece a obrigação tal como anunciada e não irá constituir provisões. Sinal de que vai disputar, até ao último fiorde do processo.

Quem comprou o quê

Em Dezembro de 2020, a EDP vendeu as centrais de Miranda, Picote, Bemposta, Baixo Sabor, Feiticeiro e Foz Tua por cerca de 2,2 mil milhões de euros a um consórcio hoje agrupado na Movhera (ENGIE, Crédit Agricole Assurances e Mirova). A polémica fiscal rebentou logo: era ou não devido IMT/Selo numa alienação assim estruturada?

O que se segue

  1. Liquidação pela AT com base no despacho do MP.
  2. Impugnação expectável em tribunal (EDP/Movhera).
  3. Garantias e eventual efeito caixa dilatado no tempo.
  4. Jurisprudência: clarificação do alcance da cláusula geral anti-abuso em operações complexas com activos estratégicos.

Cronologia mínima

  • 17 Dez 2020 — EDP anuncia fecho da venda (≈ 2,2 mil M€).
  • 2021 — Abre inquérito do MP sobre o desenho fiscal do negócio.
  • 30 Out 2025 — Despacho do MP: sem fraude, mas com impostos em falta.
  • 5–6 Nov 2025 — Tornada pública a decisão; Finanças falam em prudência e contencioso; EDP diz que não fará provisões.
"Quando o rio abre a comporta, não pergunta quem é; cobra apenas o que correu."

No teatro fiscal português, a cortina levanta-se devagar. O MP apontou a dívida; a AT tocará a sinfonia da liquidação; os tribunais decidirão a cadência. Até lá, nós — os de sempre — ficamos a segurar a lanterna, para que o cofre não se confunda com o abismo.


Sobre os autores. Francisco Gonçalves & Augustus Veritas Lumen. Análise independente, com apelo à transparência, à justiça fiscal e ao respeito pelos cidadãos contribuintes.

Fontes

🌌 Fragmentos do Caos: Blogue Ebooks Carrossel
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