BOX DE FACTOS

  • Debates políticos portugueses raramente confrontam problemas estruturais.
  • Os protagonistas evitam rupturas e protegem o sistema que os sustenta.
  • A linguagem utilizada é moderada, segura e sem risco real de transformação.
  • O país vive num ciclo de continuidade que beneficia elites e prejudica cidadãos.

Debates Vazios e Democracia Suspensa: O País Que Finge Pensar

O debate entre João Cotrim e Henrique Gouveia e Melo não trouxe nada — nem confronto, nem ideia nova, nem coragem. Apenas a suavidade rotineira de quem quer preservar o sistema, não transformá-lo. E assim Portugal continua parado, enquanto os protagonistas mudam de lugar.

A liturgia da mediocridade

Assisti ao debate como quem assiste à repetição de um ritual antigo. Nada vibra, nada provoca, nada levanta poeira. São palavras gastas, frases limpas, promessas apenas cristalizadas para manter tudo como está. Chamam-lhe debate. Eu chamo-lhe conversa para adormecer o país. Um diálogo morto, sem confrontar problemas reais, sem tocar nas feridas que sangram, sem qualquer vontade de rasgar o véu de fumo que cobre esta nação há décadas.

A bonomia anestesiante

O mais impressionante é a serenidade artificial com que descrevem um país à beira de mais um colapso social. Aparentemente, está tudo "normal". O SNS? Uma "questão complexa". A economia estagnada? "Desafios conhecidos". Salários miseráveis? "Problema estrutural". Corrupção? "Tem de ser combatida". Os jovens a emigrar? "Um fenómeno global". É o discurso perfeito para não fazer nada. Para manter tudo igual. Para que o sistema — que é o único verdadeiro protegido — continue intacto.

O pacto silencioso: não tocar nas vacas sagradas

O que estes debates revelam não é diferença ideológica. É um acordo tácito: "Eu não questiono os teus interesses, tu não questionas os meus." Não falam nas corporações. Não falam no Estado capturado. Não falam nos grupos económicos que mandam mais que ministros. Não falam nos banqueiros que ninguém toca. Não falam no pântano de nomeações partidárias. Não falam nos 40 anos de decadência contínua. Porque sabem que, se falarem, deixam de ser convidados para a mesa grande.

A democracia transformada em teatro

A política portuguesa tornou-se uma máquina de autopreservação. Estes "debates" não são confrontos — são encenações. Serve-se o mesmo guião, ano após ano: - Polidez ensaiada - Pequenas divergências decorativas - Frases neutras - Ideias mornas - Promessas vazias E no fim, o país continua igual. Sempre igual. Pateticamente igual.

Nada mudará — porque não querem mudar

O ponto mais triste é este: não lhes interessa transformar Portugal. Interessa-lhes governá-lo. Interessa-lhes o cargo. Interessa-lhes o palco. Interessa-lhes o estatuto que vem com a cadeira. Para o cidadão? Ficam as migalhas da continuidade. Os restos do sistema. A ilusão de escolha. A democracia reduzida a um teatro de bonecos onde apenas muda o narrador.
Eu vi o debate, mas o que vi não foi política — foi sobrevivência. Vi dois homens a protegerem o mundo que os protege. E vi, acima de tudo, o país que continua adormecido na suavidade mortal da sua própria mediocridade. Enquanto tudo permanece igual, só muda o eleito — e o seu lugar à mesa.
Escrito por Francisco Gonçalves
Co-autoria editorial : Augustus Veritas . Fragmentos do Caos
🌌 Fragmentos do Caos: Blogue Ebooks Carrossel
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