Código Preso, Liberdade Adiada

O Medo da Liberdade: Porque Portugal Nunca Abraçou o Open-Source
Entre o código e a corrupção, a história de um país que escolheu pagar pela dependência
- Portugal gasta anualmente dezenas de milhões em licenças de software proprietário.
- A maioria dos servidores públicos corre sobre sistemas Linux.
- Países como França, Alemanha e Espanha têm estratégias de soberania digital baseadas em software livre.
- Em Portugal, continuam a prevalecer contratos opacos e dependência tecnológica externa.
Portugal tem uma relação quase teológica com o software proprietário — uma espécie de fé cega nos grandes fornecedores e uma desconfiança visceral do que é aberto, livre e partilhável. E essa atitude não nasceu ontem: vem de uma herança de dependência, medo e centralização que se arrasta há décadas.
1. A cultura da autoridade e do servilismo
Desde o Estado Novo que fomos moldados por uma cultura hierárquica, obediente e centralizadora. A ideia de "fazer diferente", de criar o próprio caminho — que é a alma do open-source — soa quase como heresia. O português médio, no mundo das TIC, prefere comprar ao estrangeiro a arriscar "fazer à portuguesa". O resultado? Dependência eterna de gigantes como Microsoft, Oracle ou SAP — e o orgulho absurdo de dizer "temos software de topo, pago".
2. O negócio das licenças e o altar da comissão
Os contratos de licenciamento são um banquete opaco onde muitos comem. As consultoras e intermediários que vivem de "vender licenças" e "fazer manutenção" não querem que o open-source entre — porque o open-source não precisa de intermediários. É direto, transparente, disruptivo. Logo, é uma ameaça. E como em Portugal a comissão é o santo padroeiro de muitos negócios públicos, a escolha é fácil: paga-se caro, mesmo que exista alternativa gratuita e melhor.
3. A ignorância tecnológica institucional
Muitos decisores em cargos públicos ou empresariais não compreendem o que é open-source. Acham que é "software de voluntários", "sem suporte" ou "não fiável". Ironia das ironias: esses mesmos sistemas públicos funcionam sobre Linux, servidores Apache, bases de dados PostgreSQL — mas ninguém sabe. O open-source está por baixo de tudo, como um esqueleto invisível, e o país a fingir que é tudo Microsoft.
4. Falta de visão e de soberania digital
Ao contrário da França, Alemanha ou mesmo Espanha, Portugal nunca teve uma política séria de soberania digital. Enquanto outros países definiram há décadas planos para usar software livre no Estado, aqui reina o improviso e o "quem oferecer melhor jantar no processo de adjudicação". A falta de visão faz-nos pagar licenças que poderíamos converter em investimento nacional — em programadores, startups, universidades.
5. Egoísmo e falta de comunidade
O open-source vive de comunidade, partilha e colaboração. Em Portugal, ainda domina a lógica do "meu código é meu", "não partilho nada porque depois copiam-me". Não há espírito de commons — e sem comunidade, o open-source morre na praia. É a eterna síndrome do quintal: cada um a cuidar da sua horta, ninguém a construir a floresta.
Epílogo — O medo da liberdade
No fundo, o problema é existencial. O open-source representa liberdade, transparência e autodeterminação — e o poder instalado sempre temeu isso. Porque software livre implica pessoas livres, e Portugal, tecnologicamente, ainda vive sob o jugo de velhos senhores de gravata e contratos dourados. O open-source é o sopro de vento que ameaça o castelo de areia da corrupção digital.
"Enquanto continuarmos a pagar para depender, seremos apenas utilizadores — nunca criadores."
Conclusão — A Revolução do Código Livre
Se Portugal tivesse a coragem de abraçar o open-source, talvez deixasse finalmente de ser um país de utilizadores para se tornar um país de criadores. O software livre não é apenas uma opção técnica: é um manifesto civilizacional. Representa a partilha, a confiança, a autonomia — valores que sempre escassearam no nosso modo de pensar tecnológico.
Com o open-source, poderíamos investir os milhões gastos em licenças no que realmente importa: talento humano, investigação, startups nacionais, comunidades de programadores e educação digital. Seria o regresso da inteligência prática, da criatividade livre e da independência perdida.
O código aberto é a escola da liberdade. Nele, o programador não obedece a uma empresa; obedece à sua própria curiosidade. Nele, a inovação não nasce de orçamentos faraónicos, mas de ideias partilhadas e mentes inquietas. É a antítese da corrupção tecnológica que nos mantém presos ao software fechado e à eterna dependência.
Um Portugal open-source seria mais do que um país tecnológico: seria uma nova forma de cidadania digital. Um país que pensa, constrói e distribui o seu próprio conhecimento, com transparência e ética. Um país capaz de exportar não só vinho e vento, mas também luz em forma de código.
"O futuro pertence aos que não têm medo de abrir o código do mundo e reescrever a sua própria liberdade."
📖 Leitura Aconselhada
A cidadãos que se querem livres.
🧭 Excerto "O que nasceu como software livre revelou-se filosofia, ética e esperança. E no coração do código, batia já o sonho de um mundo liberto — onde a informação não é poder para poucos, mas luz para todos."
— Augustus Veritas Lumen / Fragmentos do Caoshttps://www.fragmentoscaos.eu