As Ruínas do Progresso: A Indústria Que Morreu para Dar Lugar ao Nada

BOX DE FACTOS
- Nos anos 80, Portugal foi incentivado a abandonar a indústria em troca de subsídios.
- Foram encerradas unidades industriais estratégicas: Sorefame, estaleiros navais, metalurgia pesada, e sector das pescas.
- A aposta no "país de serviços" destruiu capacidade produtiva e gerou dependência externa.
- Hoje, Portugal vive essencialmente de turismo e serviços de baixo valor acrescentado.
A Grande Rendição Industrial: Como Portugal Se Deixou Convencer a Tornar-se um País de Serviços
A década de 80 marcou um dos momentos mais decisivos — e mais trágicos — da história económica portuguesa. Chegávamos à CEE com entusiasmo confiante, famintos de progresso e desejosos de ser reconhecidos como europeus "civilizados". Nesse entusiasmo ingénuo, abrimos a porta a uma narrativa sedutora: Portugal devia abandonar a indústria e apostar no sector dos serviços.
O argumento vinha embrulhado em promessas: "vocês têm clima, turismo, gente simpática, capacidade de acolhimento". E nós, longe de questionar, aceitamos como quem recebe um oráculo. Era a Europa a falar — e a Europa sabia.
A Mentira Estratégica da Integração
O que realmente estava em causa era outra coisa: a protecção dos interesses industriais de Alemanha, França e Reino Unido.
Esses países, verdadeiros colossos industriais, não queriam concorrentes nos sectores chave: metalurgia, maquinaria pesada, naval, ferroviário, química, pesca de larga escala, electrónica industrial.
Portugal era demasiado pequeno para impor a sua visão — e demasiado crédulo para desconfiar.
Assim, o país industrial que estávamos lentamente a construir desde os anos 60 foi desmantelado de forma metódica, sempre com sorriso institucional, relatórios técnicos e promessas de "modernização".
O Desmantelamento de uma Nação Produtora
A lista das perdas é longa e devastadora:
- Sorefame — comboios de excelência, exportados para a Europa do Norte; destruída.
- Estaleiros Navais — décadas de saber-fazer naval; liquidado e politicamente esquecido.
- Indústria de Pescas — destruída por quotas europeias que favoreceram as grandes frotas do Norte.
- Metalurgia e mecânica pesada — encerradas em troca de subsídios.
- Complexos industriais completos — convertidos em ruínas ou centros comerciais.
Tudo em nome de um futuro brilhante que nunca chegou.
Estradas, Rotundas e a Economia da Ilusão
O dinheiro europeu chegou em ondas. Mas, em vez de ser investido em ciência, inovação e indústria transformadora, foi canalizado para o que Portugal sempre soube fazer sem pensar muito:
- estradas intermináveis,
- rotundas em cada cruzamento,
- auto-estradas sem carros,
- infra-estruturas sem actividade económica que as justifique.
E, claro, a corrupção endémica que sempre acompanha obras públicas de grande escala.
O país ficou lindo no mapa. Mas um país não se mede em alcatrão; mede-se em capacidade produtiva.
A Transformação num País de Serviços Inúteis
A promessa do "país de serviços" rapidamente se revelou uma armadilha sem saída. Em vez de serviços de alta tecnologia, engenharia ou consultoria industrial, ficámos com:
- turismo sazonal,
- call-centers,
- restauração para visitantes,
- hotelaria para estrangeiros abastados,
- serviços de baixa qualificação e baixo valor acrescentado.
É a economia típica de um país subdesenvolvido, mas disfarçada de modernidade europeia.
A Verdade Crua
A pobreza estrutural de Portugal não é fruto do destino — é fruto de decisões políticas tomadas entre os anos 80 e 90.
Destruímos a indústria. Destruímos o conhecimento técnico-acumulado. Destruímos a capacidade de produzir riqueza real. E construímos estradas para lado nenhum.
Hoje vivemos de turismo — essa forma passiva de economia — e de serviços que não exigem mais do que mão de obra barata.
Conclusão: A Década que Determinou o Século
Quando Portugal matou a sua indústria, matou também a sua possibilidade de ser um país soberano, moderno e produtivo. Ficámos dependentes, periféricos e cada vez mais pobres.
É por isso que, quatro décadas depois, continuamos a perguntar-nos: onde ficou o futuro que nos prometeram?
Artigo escrito em co-autoria por Francisco Gonçalves & Augustus Veritas.