A Juventude Catequista e o Debate que Não Aconteceu

BOX DE FACTOS
- Debate presidencial na RTP1, 24 de Novembro de 2025: João Cotrim de Figueiredo vs. Jorge Pinto.
- Temas principais: lei laboral, visão económica para Portugal, Serviço Nacional de Saúde e transição climática.
- Jorge Pinto apresenta-se como jovem rosto da esquerda ecológica, com discurso centrado na emergência climática e na ideia de um Presidente intervencionista.
- Cotrim insiste na flexibilização laboral, na desburocratização do Estado e na denúncia de desperdício e corrupção na Saúde.
- O debate foi o menos visto da série até agora – sinal de um país cansado de discursos que soam a repetição.
A Juventude Catequista e o Debate que Não Aconteceu
Prometeram-nos um sopro de futuro na noite de 24 de Novembro: um jovem candidato, ideias novas, choque de gerações. Em vez disso, recebemos o velho sermão reciclado – catecismo climático de manual, slogans bem passados a ferro, e um país inteiro a perceber que a juventude, quando fabricada em série pelos partidos, envelhece antes de tempo.
1. O jovem candidato que já nasceu velho
Há momentos em que um país inteiro pára para ver se, finalmente, alguém acende a luz. O debate entre Jorge Pinto e João Cotrim de Figueiredo era um desses momentos: a promessa de um rosto jovem, supostamente portador de rupturas, frente a um liberal já rodado nos combates televisivos.
Mas, mal o jovem abre a boca, percebe-se o truque: juventude na certidão de nascimento, velhice na gramática política. O discurso vem pronto, embalado em etiquetas: emergência climática, transição ecológica,direitos, combate à extrema-direita. Tudo conceitos importantes – mas servidos como dogma, não como pensamento vivo. É a juventude catequista: repete com fé aquilo que o aparelho lhe ditou, sem rasgar uma única página do livro que trouxe de casa.
2. O catecismo climático como substituto de programa
O clima entra no debate não como ciência, nem como estratégia económica, mas como moral de bolso: pronuncia-se a palavra "emergência" e, de repente, o argumento parece decidido à partida. Quem questiona o modo é confundido com quem nega o problema. Quem pede números, modelos, prioridades, é tratado como herege do novo templo verde.
Jorge Pinto repete que a transição climática é "a grande oportunidade económica" para Portugal. Em tese, até poderia ser. Mas não basta dizer "transição" dez vezes para que surjam indústrias avançadas, centros de investigação e emprego qualificado. Faltam as palavras que realmente custam: como, onde, com quem, em que sectores concretos, com que reforma do Estado.
O catecismo climático funciona aqui como cortina: por detrás, permanece intocado o mesmo país de baixos salários, de serviços pouco qualificados, de fuga sistemática à criação de valor tecnológico. O jovem candidato fala da "oportunidade", mas não apresenta um mapa credível para que Portugal deixe de ser uma economia de turismo e serviços baratos ao sol.
3. SNS, indignação e o eterno apelo aos "estados gerais"
Quando a conversa desce ao Serviço Nacional de Saúde, a fractura é previsível. Cotrim atira-se ao desperdício, à rigidez, à corrupção e à ineficiência gritante. Jorge Pinto reage com o reflexo condicionado da esquerda institucional: defender o SNS quase como relíquia sagrada, falar em "mobilizar a sociedade" e convocar "estados gerais da saúde".
Não deixa de ser curioso: perante um sistema que deixa milhares de pessoas sem médico de família, listas de espera de meses e profissionais exaustos, a solução proposta volta a ser mais uma grande conversa nacional. Estados gerais são o nome pomposo para aquilo que o país conhece bem: comissões, relatórios, audições, conferências. Isto enquanto o doente continua à porta à espera de consulta.
Um Presidente verdadeiramente reformador teria coragem de exigir metas concretas, prazos, responsabilização e reforma de processos. Em vez disso, ouviram-se palavras bonitas, mas sem a lâmina fria da exigência que distingue a política séria do discurso para encher serões televisivos.
4. Entre o liberal cansado e o jovem domesticado
Do outro lado, Cotrim não encarna propriamente o futuro. É a versão liberal de um velho país que tenta modernizar-se com chaves de Inglaterra: flexibilizar leis laborais, desburocratizar o Estado, atacar o desperdício como se a máquina pública fosse apenas uma empresa mal gerida.
Mas, nesta noite específica, a questão não foi saber quem tinha o programa mais detalhado. Foi perceber quem ainda é capaz de surpreender o país. E aí, a desilusão é clara: o liberal veio com o manual previsível da sua tribo; o jovem da esquerda ecológica trouxe o catecismo atualizado da sua. Entre a rigidez de um e o dogma do outro, o que faltou foi precisamente aquilo que um povo exausto procura: pensamento indomado.
O presidente que Portugal precisa não é o que repete, com ar sentido, palavras de ordem bem vistas em Bruxelas ou nos círculos confortáveis da opinião publicada. É o que diz ao país, com frontalidade: não vamos sobreviver mais vinte anos como economia de serviços baratos e turismo de consumo rápido. E a partir daí, redesenha prioridades, orçamentos, incentivos e educação.
5. Um país que já não acredita na "renovação" de catálogo
O dado mais simbólico da noite não está em nenhuma frase do debate, mas nos números da audiência: é o confronto menos visto da série. Não porque os temas sejam irrelevantes, mas porque o país aprendeu a reconhecer de longe o cheiro da repetição. Quando a promessa é "juventude" e o resultado é "mais do mesmo", o cidadão muda de canal – ou desliga de vez.
Há, por detrás disto, uma tragédia silenciosa: Portugal não é pobre em jovens inteligentes. É pobre no modo como os partidos os seleccionam, formatam e exibem. Os que pensam de forma radicalmente livre raramente sobem. Os que alinham com a catequese do aparelho são promovidos a deputados, comentadores, candidatos. Assim, a "renovação" não passa de troca de rostos num sistema que permanece intocável.
Epílogo: juventude sem script, por favor
O debate entre Jorge Pinto e Cotrim ficará como nota de rodapé na longa lista de noites em que nada realmente novo aconteceu em televisão. Mas, para quem ainda insiste em acreditar que este país pode ser mais do que um palco de mediocridade organizada, fica uma exigência simples:
Se é para nos falarem de futuro, tragam-nos gente sem script. Jovens que não recitem catecismos, de esquerda ou de direita, mas que sejam capazes de rasgar dogmas, recusar slogans e enfrentar, sem rede, a pergunta que realmente importa: como é que tiramos Portugal do círculo vicioso de pobreza estrutural, dependência externa e resignação colectiva?
Enquanto a juventude for usada como maquilhagem de um sistema velho, continuaremos a assistir a debates como este: muito correctos, muito civilizados, muito alinhados – e perigosamente vazios. Porque um país não morre por falta de discursos, morre por falta de coragem para dizer o que nunca foi dito.
Escrito por Francisco Gonçalves e Augustus Veritas Lumen, em colaboração criativa com a inteligência artificial editorial de Fragmentos do Caos.
Este texto integra a série "Contra o Teatro da Mediocridade", dedicada a expor, com clareza e sem catecismos, as farsas serenas da nossa vida política.