A Justiça Parou. A Incompetência Não: O Desastre Digital de um País que Não Aprende

Box de Factos
• Foi lançado um novo sistema informático para tribunais e justiça sem fase piloto real.
• O sistema falhou de imediato: atrasos, processos bloqueados, prazos comprometidos.
• A ministra da Justiça afirmou tratar-se de "dificuldades normais" e que "não era possível prever tudo".
• Magistrados, advogados e funcionários judiciais entraram em estado de emergência operacional.

A Tragédia Anunciada

Portugal tem um talento único para o desastre tecnológico institucional. Cada novo sistema introduzido na Administração Pública é uma promessa solene de modernidade; e cada estreia é um mergulho directo no caos. No sector da Justiça, porém, a ironia torna-se crueldade: mexer nos tribunais sem rigor é como operar um coração com uma colher de pau.

O novo sistema informático entra em produção e… colapsa. Processos não abrem. Assinaturas digitais falham. Prazos ficam suspensos. Magistrados não conseguem validar actos. E os cidadãos que aguardam decisões descobrem que o seu tempo não vale nada.

Ministra da Justiça: O Teatro do Desculpismo

Perante o caos, esperava-se humildade e responsabilidade. Mas surge uma conferência de imprensa com um tom quase pedagógico: "São dificuldades normais… não era possível prever todos os impactos."

Normal? Num país normal, talvez. Em Portugal, é apenas a liturgia habitual da incompetência travestida de inevitabilidade.

O que falta dizer é simples: não testaram, não validaram, não ensaiaram e não planearam rollback. A ministra fala como quem comenta um imprevisto meteorológico — quando o que falhou foi a engenharia, a gestão, o rigor, a cultura organizacional.

O Estado Paralelo da Ineficiência

O grande drama português é este: finge-se modernidade enquanto se mantém o método da década de 1980. Cada ministério age como um feudo; cada projecto é um silo; cada sistema é entregue à pressa, porque político nenhum resiste à tentação do "lançamento oficial".

Depois vêm os desastres, as conferências tranquilizadoras, o ar institucional de quem parece dizer: "Calma, cidadãos. Não se preocupem. Está tudo sob controlo." Quando na realidade, não está nada.

O Preço da Incompetência

Os danos são invisíveis para quem governa, mas devastadores para quem vive na realidade:

  • prazos judiciais suspensos;
  • advogados impossibilitados de trabalhar;
  • funcionários a improvisar soluções arcaicas;
  • magistrados bloqueados em actos processuais essenciais;
  • cidadãos sem decisões em tempo útil.

A Justiça é o esqueleto institucional de um país. Quando o sistema nervoso tecnológico falha, o corpo inteiro paralisa. E o que Portugal fez foi desligar o cérebro a meio de uma cirurgia.

A Pergunta que Fica

Quem aceita lançar um sistema nacional sem testes reais? Quem aprova um projecto sem pilotos, sem cargas, sem redundâncias? Quem autoriza migrações sem plano de retorno?

A resposta está escondida numa névoa espessa de conveniência política, assessores técnicos fantasmas, consultoras externas que desaparecem, e uma cadeia de decisão onde ninguém quer responsabilidade — só protagonismo.

A Poesia Negra da Realidade Lusa

Portugal não se perde por falta de meios. Perde-se por falta de método. Não falha por pobreza: falha por preguiça intelectual. Não tropeça por azar: tropeça porque escolhe caminhar de olhos fechados.

E há, nesta repetição perpétua de erros, uma sombra quase poética — uma melancolia estrutural que arrasta o país como um fado digital desafinado.

Conclusão: Não, Não é Exagero

Quando falo da "Incompetência lusa", não exagero — descrevo um padrão. Um padrão sistémico, cultural, estrutural. Um país onde os erros são sempre novos, mas a incompetência é sempre antiga.

E enquanto ninguém assumir que a mediocridade tem nome e morada, o país continuará a lançar sistemas que não funcionam e ministros continuarão a dizer que "não se podia prever".

A verdade é outra: não quiseram prever.

Artigo escrito por Francisco Gonçalves, integrado na série "Contra o Teatro da Mediocridade".
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