A Grande Montra da Modernidade Falsa: Como Portugal Continua a Financiar o Espetáculo do Web Summit

O Web Summit e a Parolice Nacional Financiada com Dinheiro Público
Factos Rápidos
- Apoio público anual ao Web Summit: ≈ 11 milhões de euros.
- Contrato envolve Governo (Turismo de Portugal / AICEP) e Câmara Municipal de Lisboa.
- Custos adicionais não contabilizados: segurança, logística, infra-estruturas, transportes.
- Valor nunca foi inferior a 9 milhões/ano.
- Portugal paga para "parecer moderno", mas a estrutura tecnológica real permanece fragilizada.
Todos os anos, quando o Web Summit desembarca em Lisboa com drones, luzes, manchetes e discursos pré-fabricados, repete-se o espectáculo nacional da modernidade decorativa. Aquele entusiasmo quase coreografado, misto de provincianismo e ambição, que transforma três dias de conferência num ritual mediático disfarçado de revolução tecnológica.
Mas por trás da névoa luminosa, há um facto teimoso, frio, incómodo: Portugal continua a canalizar cerca de 11 milhões de euros de dinheiro público por ano para este evento. Não para investigação científica, não para laboratórios, não para startups portuguesas — mas para um palco global de autopromoção onde se vendem slogans, não inovação.
O Custo Real da Vaidade Tecnológica
Enquanto hospitais encerram camas, escolas não conseguem fixar professores, tribunais acumulam anos de atraso e as PME respiram com dificuldade, o Estado português injeta milhões num evento que, se fosse verdadeiramente transformador, já se sustentaria sozinho.
A narrativa oficial repete-se todos os anos: "atração de investimento", "visibilidade internacional", "dinamização do ecossistema". No entanto, falta sempre o essencial: métricas concretas e independentes que provem retorno económico mensurável.
Em vez disso, recebemos relatórios de impacto embrulhados em linguagem publicitária. Muito brilho, pouca substância.
Um Showroom, Não um Motor de Inovação
O Web Summit, no seu formato actual, é sobretudo um showroom — um desfile. Os verdadeiros ecossistemas tecnológicos nascem de universidades fortes, capital de risco maduro, engenharia de excelência e políticas públicas sólidas. Não nascem de conferências, nem de selfies tiradas com "visionários" de ocasião.
Ironicamente, a inovação genuína continua a surgir onde sempre surgiu: laboratórios discretos, programadores incansáveis, empresas que constroem silenciosamente. O futuro não se anuncia em palco; constrói-se nos bastidores.
A Velha Fragilidade Portuguesa: Precisar de Validação Externa
A dependência psicológica de Portugal da validação estrangeira não é nova. O país adora quando alguém de fora confirma que somos "incríveis". Pagamos milhões para ouvir isso. É uma síndrome cultural, profundamente entranhada no tecido político e mediático: preferimos parecer modernos a investir realmente na modernidade.
Por isso, o Web Summit encaixa tão bem no imaginário nacional: é o espelho onde gostamos de nos ver — mesmo que o reflexo seja construção alheia.
O Problema Não É a Conferência — É a Estratégia
Se o investimento estivesse enquadrado numa estratégia nacional coerente — ciência, tecnologia, cibersegurança, educação, saúde digital, clusters industriais — poder-se-ia discutir racionalmente. Mas não está. O Estado investe na montra antes de construir o edifício.
E enquanto isso, os projectos realmente transformadores, as empresas que geram valor e o talento que poderia reconfigurar o país continuam sem os recursos, sem o capital e sem o reconhecimento que merecem.
Conclusão
O Web Summit não é o problema. O problema é a política tecnológica amadora, superficial, marcada por gestos cosméticos e incapaz de construir fundações sólidas. O evento continua a ser financiado porque encaixa na narrativa oficial de modernidade instantânea — mas não produz a modernidade real que o país precisa desesperadamente.
E, ironicamente, o futuro de Portugal continuará a nascer onde sempre nasceu: nas mãos inquietas de quem constrói, não de quem aplaude o espectáculo.
Artigo autoria de 📖 Francisco Gonçalves