A Democracia Celebrada Num País Que Não a Vive

BOX DE FACTOS
- 70% dos portugueses vivem pobres ou perto da pobreza.
- O SNS encontra-se em erosão estrutural há mais de 20 anos.
- Grandes grupos económicos continuam a evitar impostos com conivência política.
- Portugal tornou-se uma economia de serviços de baixo valor.
- A democracia parlamentar celebra-se sem participação real do povo.
A DEMOCRACIA CELEBRADA NUM PAÍS QUE NÃO A VIVE
A celebração parlamentar e a realidade invisível
No Parlamento, repetem-se as cerimónias, as palavras embaladas em pompa, os discursos sobre "51 anos de progresso democrático", o 25 de Abril e agora o 25 de Novembro. Brilham pins nas lapelas, multiplicam-se os cumprimentos, e aplaude-se um país que só existe dentro do próprio hemiciclo.
Cá fora, porém, a realidade é uma outra. Sete em cada dez portugueses enfrentam salários que mal chegam ao fim do mês, vivem em permanente fragilidade ou estão a um imprevisto de cair na pobreza severa. Esta discrepância tornou-se a ferida aberta da democracia portuguesa: celebra-se o que se deseja, mas não o que se vive.
O SNS : Quando tratar da saúde deixou de ser prioridade
O Serviço Nacional de Saúde deveria ser o santuário democrático da igualdade. Mas a degradação tornou-se inevitável: anos de falta de médicos, ausência de planeamento, promessas que se repetem como mantras e nunca se concretizam.
Há algo de profundamente indecente numa democracia que se orgulha de si própria enquanto deixa milhares de cidadãos sem médico de família, com consultas a perderem-se em anos de espera e urgências a transbordar.
A economia dos pobres: turismo, serviços e pouco mais
Portugal transformou-se num país que vive sobretudo do turismo e de serviços de baixo valor acrescentado. Um país bonito, mas pobre. Um destino de férias, mas não um destino de conhecimento.
Investimentos vêm — mas o know-how nunca fica. A indústria evaporou-se, a engenharia rareia, a ciência aplicada é residual. Construímos uma economia de aparências, onde a narrativa é mais robusta que a realidade.
Bancos e grandes empresas: sempre acima da República
Quando um grande grupo económico defrauda o Estado, as consequências são… debates parlamentares. Quando um cidadão comum falha um imposto de 200 euros, o castigo é imediato, burocrático, inapelável.
Esta assimetria é o retrato final do sistema: uma aliança tácita entre elites políticas e económicas que garante que o peso do Estado recaia sempre sobre os mesmos : os indefesos, os anónimos, os que sustentam o país real.
A democracia sequestrada pelo teatro institucional
Uma democracia verdadeira exige participação, transparência, mérito, debate, fiscalização. Portugal tem eleições, partidos, Assembleia, Presidentes. Mas falta-lhe o essencial: o povo como agente político real.
O país tornou-se espectador de um teatro onde os actores se sucedem mas o enredo nunca muda. Os mesmos rostos, as mesmas promessas, os mesmos falhanços, e um sistema que, protegido pela opacidade, se alimenta da própria imobilidade.
O país subterrâneo que começa a despertar
Apesar de tudo, há um país que ainda respira, silencioso, cansado, mas vivo. Um país que lê, observa, sofre, e começa a perceber que o sistema não foi desenhado para servir o povo, mas para se servir dele.
Quando esta consciência se tornar colectiva, a democracia deixará de ser um ritual parlamentar e tornar-se-á, finalmente, uma força transformadora. Nenhum poder resiste para sempre a um povo que abre os olhos.
Fragmentos do Caos — 2025.