A Justiça que Investiga com uma Mão e Adormece com a Outra

(Crónica de um país adiado, escrita ao som de um carimbo lento)

Há dias, o Procurador-Geral da República apareceu com ar decidido, olhar de quem finalmente ia pôr ordem na casa. Disse, solenemente, que ia investigar o primeiro-ministro Montenegro. A nação prendeu a respiração por alguns segundos — ou talvez minutos — até perceber que a história ia dar no costume: em "águas de bacalhau".

Desde então, o país vive em paz. Paz de cemitério, entenda-se. Ninguém fala mais do assunto, o noticiário mudou de tema, e o PGR, satisfeito, deve ter voltado à sua pilha de processos, provavelmente já empilhados desde a era dos dinossauros judiciais.

Mas nós, ingénuos que somos, ainda acreditamos naquele instante inicial, quando tudo parecia possível — a justiça célere, o Estado de Direito, o fim da impunidade. Oh doce ilusão! Portugal é uma espécie de teatro onde a justiça entra em cena de robe, faz o seu monólogo grave e sai pela esquerda baixa antes do segundo acto.

E Montenegro? Está tranquilo, claro. A roda da política gira, o tempo passa, e o esquecimento — esse fiel aliado do poder — faz o resto. Afinal, neste país, investigar é fácil. Difícil é concluir.

Enquanto isso, o povo observa, entre o espanto e a resignação. A cada escândalo, promete-se uma "investigação profunda", o que, em tradução livre, significa: vamos arrumar o assunto até todos se esquecerem dele.

E assim seguimos, serenamente, como bons portugueses: de indignação em indignação, até à apatia final. Entre um bacalhau e outro, o sistema continua a nadar — e nós, sempre à espera que alguém, um dia, o pesque.


© Francisco Gonçalves & Augustus Veritas Lumen – Fragmentos do Caos



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