O Século XXI, Gerido por Chefes do Século XX

Box de Factos:
Portugal continua a ter uma das mais baixas produtividades da Europa, apesar de décadas de "planos de modernização". O problema não está apenas na tecnologia — está na mentalidade tayloriana que ainda organiza o poder, a hierarquia e o trabalho.

As grandes e médias empresas em Portugal continuam, tristemente, a viver sob o fantasma de Frederick Taylor — o profeta da eficiência industrial do início do século XX — como se o tempo tivesse parado nas fábricas de Chicago. As linhas de montagem transformaram-se em escritórios com ar condicionado, os ponteiros do relógio foram substituídos por folhas de Excel, e o capataz tornou-se "gestor de operações". Mas a essência permanece: controlo vertical, microgestão e medo da iniciativa.

No coração destas estruturas pulsa um modelo de poder hierárquico de sentido único — de cima para baixo, sem retorno, sem diálogo, sem alma. O resultado é uma pirâmide entorpecida, com chefias empilhadas umas sobre as outras até ao ponto do absurdo: há lugares onde há literalmente um colaborador por chefe. A matemática é cínica: um exército de generais sem soldados, todos a reportar, supervisionar e validar o nada.

Este fenómeno, que nas empresas privadas já seria cómico, torna-se trágico no Estado, e até veja-se bem, nas Forças Armadas do país. O Princípio de Peter governa o serviço público com mão de ferro: cada indivíduo ascende até ao nível da sua incompetência, e lá permanece, produzindo burocracia, formulários e relatórios de 40 páginas sobre "níveis de execução de objetivos" que ninguém lê.

Mas não nos enganemos — o setor privado não é melhor. Nos bancos, nas telecomunicações, nos grupos industriais, repete-se o mesmo padrão: chefias intermédias infinitas, departamentos redundantes, reuniões diárias para discutir o que não se fez ontem e o que também não se fará amanhã. A produtividade? Fica na gaveta, junto dos planos estratégicos esquecidos.

A modernização, dizem, chegou com o Microsoft Excel. Sim, os cadernos de apontamentos deram lugar a folhas eletrónicas, mas com um custo bem mais elevado — não só em licenças, mas em horas perdidas, relatórios desnecessários e uma fé quase religiosa na "magia dos indicadores". Chamam-lhe "transformação digital", mas é apenas a velha burocracia vestida com roupa nova e software importado.

Enquanto isso, o mundo evolui. As empresas mais competitivas já abandonaram a rigidez tayloriana há décadas. Funcionam em redes colaborativas, com equipas autónomas, decisões horizontais, inteligência coletiva. Sabem que a inovação nasce da liberdade — e não da obediência.

Em Portugal, porém, persiste a crença feudal de que "chefiar é mandar" e "trabalhar é obedecer". É um modelo que sufoca o talento, desmotiva os melhores e recompensa os conformados. As empresas tornam-se assim catedrais de mediocridade — bonitas por fora, vazias por dentro, com eco de reuniões que nada decidem.

O resultado é o que todos sentimos: baixa produtividade, salários estagnados e fuga de cérebros. Porque um país que ainda organiza o trabalho como em meados do século passado não pode aspirar a competir num mundo onde o tempo se mede em algoritmos e o valor nasce da imaginação.

"Não é o tempo que falta — é a lucidez. E a lucidez manda despedir chefes, não trabalhadores."

Talvez um dia despertemos para a evidência: a produtividade não cresce com software novo, mas com estruturas novas. Não se obtém mudando o Excel, mas mudando a forma de pensar o trabalho, o poder e o mérito. Até lá, continuaremos a ser o país que gere o século XXI com chefes do século XX e mentalidade do século XIX.

"Seja bem-vindo ao século XX... no século XXI." Onde as empresas portuguesas ainda vivem no século XX, e algumas — as mais resistentes — no tempo do Conde de Lippe. Não acredita ? Visite uma perto de si !

Pois Portugal não precisa de mais chefes. Precisa de menos mediocridade institucional.


Série: Contra o Teatro da Mediocridade

Artigo autoria de 📖 Francisco Gonçalves

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