O Último Homem do Sistema

Box de Factos:
Francisco Pinto Balsemão (1937–2025) foi fundador do semanário Expresso, primeiro-ministro de Portugal entre 1981 e 1983 e uma das figuras mais influentes dos media e da política portuguesa pós-25 de Abril. A sua morte encerra simbolicamente uma era — a das elites instaladas que confundiram o Estado com um prolongamento da sua sala de estar.

Ontem faleceu Pinto Balsemão. E, como é hábito neste país de exéquias hiperbólicas, os elogios correm agora livres, abundantes e piedosos — quase religiosos. Mas a história merece mais do que hagiografia: merece lucidez.

Balsemão foi, de facto, um homem de inteligência rara, cultura sólida e enorme influência. Criou o Expresso num tempo em que a palavra livre era um ato de coragem, e deu voz a uma geração que sonhava com um país moderno e europeu. Foi, nos primeiros tempos da democracia, um símbolo de renovação. Mas o tempo — esse escultor implacável — acabaria por o transformar em estátua do próprio sistema que ajudou a erguer.


🕰️ Do jornalismo à cúpula do poder

Depois da queda do marcelismo e do fervor revolucionário, Balsemão trocou a pena pela pasta ministerial. Atravessou o labirinto da política com a prudência de um aristocrata e a frieza de um gestor — nunca arriscando demasiado, nunca perdendo o lugar. Como primeiro-ministro, representou o que Portugal viria a tornar-se: um Estado de compromisso e conveniência, mais preocupado em equilibrar facções do que em transformar o país.

Mas onde verdadeiramente prosperou foi no poder silencioso — o dos media e das redes de influência. O grupo Impresa tornou-se o espelho dessa ambição discreta: dominar a narrativa, controlar o discurso, definir o tom. Durante décadas, a sua sombra pairou sobre o panorama mediático português — não como ditadura, mas como presença paternalista, subtil e constante.


💼 O homem que se serviu do Estado

Não se lhe negue o engenho nem o mérito intelectual. Mas, como tantos outros da sua geração dourada, Balsemão beneficiou de uma promiscuidade estrutural entre Estado, política e negócios. Foi o protótipo da elite portuguesa que vive do poder, qualquer que seja o governo. Enquanto o país empobrecia, as elites reciclavam-se — mudavam de discurso, mas não de morada.

E é aí que reside a contradição maior: o homem que fundou o jornal símbolo da liberdade acabou por tornar-se um dos guardiões do status quo. O mesmo país que ele ajudou a despertar, adormeceu sob o seu silêncio confortável.

"Os que um dia lutaram pela liberdade, acabaram por geri-la como uma empresa familiar."

⚖️ O epitáfio de uma geração

A morte de Balsemão é mais do que o fim de um homem; é o epitáfio de uma geração que confundiu serviço público com usufruto privado, e a democracia com um palco rotativo de elites. Ele foi, em vida, o retrato polido e educado do sistema — a sua face mais civilizada, mas ainda assim sistema. O seu legado é complexo: misto de visão e de apego, de inovação e de preservação.

Hoje, enquanto os necrológios se multiplicam em tons piedosos, o país real continua igual: dominado por dinastias políticas, empresariais e mediáticas que aprenderam bem a lição de Balsemão — a de que o poder não se conquista: mantém-se.

"O último homem do sistema partiu. Mas o sistema continua — intacto, impune e eterno."


Série: Contra o Teatro da Mediocridade
Autor: Francisco Gonçalves · Fragmentos do Caos)

"A história não esquece. E, quando chega o tempo, não perdoa."

Sabemos bem que os portugueses, porque assim foram formatados, gostam de dourar a pílula — mas nós temos por missão servir a verdade e iluminar o caminho.

— Francisco Gonçalves
Aletheia Veritas · Fragmentos do Caos

🌌 Fragmentos do Caos: Blogue Ebooks Carrossel
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