Sócrates e a Repugnância de um País Falhado

Box de Factos:
– José Sócrates reage à investigação sobre o juiz Ivo Rosa com "esgar de repugnância".
– O MP investigou faturação, localização de telemóvel e contas bancárias do juiz.
– Ivo Rosa foi o juiz de instrução do processo Sócrates, cujas decisões deixaram o país perplexo.
– O episódio expõe, mais uma vez, a miséria moral da política portuguesa.

José Sócrates ergue-se indignado e declara sentir "repugnância" com a investigação do Ministério Público ao juiz Ivo Rosa. E o país, que já o conhece de ginjeira, sente apenas uma mistura de náusea e ironia. Porque se há alguém que não tem autoridade moral para falar em repugnância, é justamente ele: o protagonista do maior escândalo político-judicial da nossa democracia.

O ex-primeiro-ministro, que deixou um rasto de suspeitas, dívidas, favores obscuros e uma reputação internacional de vergonha, parece agora erigir-se em defensor da justiça — mas só daquela que sempre lhe foi conveniente. O que lhe causa repugnância não é o abuso de poder, mas a possibilidade de perder a teia que o protegeu.

É aqui que a sátira se escreve sozinha: em Portugal, o homem que simboliza a corrupção indigna-se com a investigação; os políticos que assinaram compromissos com os EUA fingem surpresa quando caças aterram nos Açores; os que arruinaram a educação e a saúde aparecem como guardiões da democracia. É um país falhado em loop infinito, onde a tragédia se mistura com a farsa.

Repugnância, Sr. Sócrates? Repugnância sente o povo português por décadas de mentiras, corrupção e compadrio.

Mas não: neste palco grotesco chamado Portugal, a encenação continua. Sócrates fala, os media amplificam, os comentadores fingem imparcialidade, e o povo, esse, volta a encolher os ombros. É a epopeia da mediocridade, onde até a repugnância é instrumentalizada para manter viva a opacidade.

Num país sério, tais palavras seriam recebidas com gargalhadas. Num país falhado, tornam-se manchete.

— Francisco Gonçalves, Contra o Teatro da Mediocridade
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