Portugal : Soberania em Modo de Licença Microsoft

A Revolução Digital Made in Redmond
Quando a raposa é contratada para proteger o galinheiro digital do Estado.
- O Governo nomeou Manuel Dias, ex-diretor da Microsoft Portugal, como novo diretor tecnológico da Administração Pública.
- A missão: liderar a "revolução digital" no Estado português.
- O risco: o país confundir modernização com dependência tecnológica.
O sonho digital do costume
A notícia foi recebida com aplausos e fanfarras: "Finalmente, um especialista do setor privado a trazer inovação para o Estado!" Só esqueceram de mencionar que o setor privado em causa é uma das maiores multinacionais de software proprietário do mundo. Assim, a tão aguardada revolução digital portuguesa começa não com um salto para o futuro, mas com um login na conta Microsoft.
É um padrão antigo: cada vez que Portugal quer modernizar-se, entrega as chaves da casa a quem nos vende o cadeado. Em vez de promover soberania digital e independência tecnológica, escolhe o caminho fácil — o da dependência sofisticada, de preferência com logótipo estrangeiro.
A ilusão da modernidade
Manuel Dias é, sem dúvida, um profissional competente e visionário. Mas a questão não é a sua competência — é o contexto. Quando alguém vem diretamente da Microsoft para chefiar a tecnologia do Estado, a linha entre interesse público e interesse corporativo torna-se perigosamente ténue.
Que garantias temos de que esta "revolução digital" não se traduzirá numa Microsoftização integral da Administração Pública? Office 365, Azure, Teams, SharePoint, Windows — cada "solução" uma nova dependência, cada contrato um novo nó na teia de Redmond. Tudo pago, claro, com o erário público.
A soberania digital em risco
Um Estado verdadeiramente moderno não depende de clouds estrangeiras nem de licenças milionárias. Um Estado moderno investe em software livre, interoperabilidade, código aberto e talento nacional. O que se está a fazer é o oposto: vender a soberania digital em troca de conforto tecnológico.
O risco não é apenas financeiro. É político, estratégico e cultural: Portugal pode acabar por perder o controlo sobre os seus próprios dados, os seus sistemas e, por arrasto, a sua autonomia digital. E quando o Estado depende de uma corporação para funcionar, já não é o Estado que governa — é o fornecedor.
Conclusão: a ilusão do progresso
Esta "revolução digital made in Redmond" será, no fim, mais um exercício de cosmética tecnológica — moderno por fora, dependente por dentro. O país continuará a comprar o sonho do progresso, enquanto assina contratos que hipotecam o futuro digital das próximas gerações.
A verdadeira inovação não se compra em licenças — constrói-se em liberdade.
Francisco Gonçalves
05 Outubro 2025
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