Portugal no Canal errado

📌 Box de Factos
Tema: A alienação televisiva e o declínio cultural em Portugal.
Série: Contra o Teatro da Mediocridade
Assinatura: F. Gonçalves & Augustus Veritas
O País dos Golos e das Almas Adormecidas
Por F. Gonçalves & Augustus Veritas — Série "Contra o Teatro da Mediocridade"
Em Portugal, o televisor tornou-se o novo altar nacional. Ali, todos os dias, milhões de crentes reúnem-se para assistir ao ritual sagrado do futebol e à missa das emoções fabricadas. O país inteiro ajoelha-se perante o ecrã, onde o golo substitui o pensamento e o comentador é o novo padre da pátria.
Mais de metade das emissões televisivas é dedicada ao futebol — o resto, a programas que exploram a emoção fácil, a lágrima barata e o vazio existencial. O humor, esse último reduto da inteligência, é empurrado para as madrugadas, censurado quando morde o poder, e substituído por palhaços domesticados que fazem rir sem perigo.
O país que outrora deu ao mundo poetas e pensadores vive hoje alimentado a *soundbites* e tabelas classificativas. O futebol tornou-se o sedativo nacional: distrai o povo, entretém o miserável e faz esquecer que o salário não chega ao fim do mês. Enquanto se grita "gooooolo!", o país real afunda-se em filas do SNS, em salários de miséria e em contratos precários disfarçados de oportunidades.
As televisões cumprem o papel que o Estado lhes impõe: o de manter o povo entretido, dócil e desinformado. A cultura é uma palavra que causa alergia às direções de programação; a crítica é perigosa; a sátira, subversiva. E assim, o que era para ser serviço público tornou-se anestesia social.
O entretenimento que resta é feito de lágrimas, gritos e nulidades que se tornam celebridades por uma semana. O povo, hipnotizado, comenta casamentos de reality shows enquanto o país se esvai em corrupção, dívida e incompetência institucionalizada. A televisão, esse espelho deformado, reflete o país que o poder quer: ignorante, conformado e emocionalmente exausto.
O humor — o verdadeiro humor — foi banido porque pensa. E pensar, em Portugal, é um ato quase revolucionário. Rir dos políticos, dos poderosos, dos que mandam? Isso, hoje, é considerado falta de "respeito institucional". Mas rir do povo, das suas fraquezas e misérias? Ah, disso fazem programas em horário nobre.
Vivemos num país em que a televisão é a caixa-preta da democracia: um aparelho que capta a luz e devolve trevas. Não informa, não liberta, não educa — apenas condiciona. É o Coliseu do século XXI, onde o pão é pouco mas o circo é transmitido em alta definição.
E, no entanto, há quem ainda resista. Há quem desligue a televisão e ligue o cérebro. Há quem troque o comentador pelo livro, o jogo pela reflexão e o ruído pela música do pensamento. Esses são os que ainda mantêm acesa a chama da lucidez neste país de almas adormecidas.
O futuro só começará no dia em que o povo português aprender a mudar de canal — não na televisão, mas na consciência. 🕯️
Publicado em Fragmentos do Caos — Crónicas em defesa da lucidez num país hipnotizado pelo ruído.
✒️ Legenda poética: > Entre o golo e o abismo, o povo sonha acordado. O livro espera em silêncio, esquecido pela luz azul. E o país, hipnotizado, confunde ruído com esperança. 📺📖