📁 Dossier Fragmentos do Caos
50 Anos de Crimes contra a Nação (1974-2025)

Por Francisco Gonçalves · publicação de memória política


Este dossier não é uma lista de "casos mediáticos". É o mapa dos momentos em que o sistema político português — partidos, governos, supervisores, Justiça e negócios — falhou deliberadamente na defesa do interesse público. São 50 anos de captura do Estado, socialização de prejuízos privados e impunidade de topo.

Tese central: estes crimes não aconteceram "apesar" do regime — aconteceram com o regime.

🔶 1. Período da Instalação (1974-1986)

Contexto: nacionalizações, reestruturação económica, entrada na CEE. Foi o momento perfeito para "arrumar" património, empresas e influência.

  • Negócios das nacionalizações e reprivatizações iniciais – muita transferência de ativos sem controlo democrático real; ganhos privados discretos; pouca memória documental.
  • Autarquias em construção – início da cultura de "obras e comissões" ao nível local; engenharia civil como porta de entrada de corrupção futura.

Marca desta fase: corrupção pouco visível, mas criação das redes partidárias que depois vão gerir o país inteiro.

🔶 2. A Era das Obras e das Autarquias (finais 80-anos 90)

Com fundos europeus a entrar e o país a urbanizar-se, surge a primeira grande promiscuidade entre câmaras municipais, construtoras e partidos.

  • Licenciamentos e loteamentos a troco de "favores" – muitos nunca foram julgados.
  • Obras públicas sobredimensionadas – estradas, pavilhões, piscinas e rotundas que deram votos mas não produtividade.
  • Surgem as primeiras "máquinas autárquicas" que ainda hoje dominam distritos.

Marca desta fase: legalização do favor. O sistema aprendeu que era possível roubar "por dentro da lei".

🔶 3. A Fase das Parcerias e do Betão (1995-2005)

Governação PS/PSD em alternância suave. Entra a era das PPP e dos grandes contratos de infraestruturas.

  • PPP rodoviárias e hospitalares – contratos feitos para durar décadas, quase sempre com risco para o Estado e lucro garantido para o privado.
  • Grandes consultoras e grandes escritórios começam a escrever as leis que depois vão usar.
  • Primeiros "casos políticos" (Portucale, Submarinos, Freeport) – todos com a mesma matriz: decisão política + intermediário + contrapartida.

Marca desta fase: a corrupção tornou-se técnica. Já não é o envelope: é o clausulado.

🔶 4. Os Grandes Assaltos da Banca (2006-2016)

A era mais onerosa para o país. A conivência foi total: governos, BdP, CMVM, UE, todos a "acompanhar".

  1. BPN – nacionalização para salvar rede de interesses; custo público estimado em ~7 mil milhões €. Estado ficou com o lixo; privados ficaram com o resto.
  2. BPP – engenharia financeira com complacência; clientes e Estado a perder.
  3. BES / GES – colapso de um império feito de dívida cruzada. Supervisão avisada, nada foi travado. A fatura espalhou-se por Novo Banco, lesados, PT, fundos. Um dos maiores crimes financeiros da democracia.
  4. Banif – mais um banco onde a inação custou caro.

Marca desta fase: o Estado passou a ser fiador oficial da irresponsabilidade privada. E ninguém foi politicamente julgado por isso.

🔶 5. A Corrupção de Alto Coturno (2009-2025)

É aqui que entram os grandes processos que mais recentemente temos acompanhado.

  • Operação Marquês – mostrou a promiscuidade governo-negócios-media. O resultado judicial foi fraco, mas o resultado político foi brutal: provou que o sistema protege os seus.
  • Operação Lex – mostrou que até a justiça estava tocada. Quando o árbitro está comprado, o jogo está perdido.
  • Vistos Gold / Luanda Leaks / offshores – Portugal como plataforma de lavagem, com o Estado a ver.
  • Caso EDP / REN / CMEC – rendas garantidas por decisão política, pagas durante anos pelos consumidores. Corrupção "legal".

Marca desta fase: a corrupção deixou de se esconder. Perdeu a vergonha.

🔶 6. Os Custos Reais para o País

Não é só "roubaram". É o que não se fez porque roubaram. Estes crimes e esquemas:

  • impediram um verdadeiro plano de reindustrialização;
  • retiraram margem para habitação pública em larga escala;
  • empobreceram o SNS e criaram a atual "crise estrutural";
  • mantiveram salários estruturalmente baixos para compensar défices e resgates;
  • criaram a cultura de impunidade de topo: rico não vai preso, político não é responsabilizado.

🔶 7. O Mecanismo de Conivência

Se tivermos de explicar isto a um aluno, dizíamos assim:

  1. Partidos controlam nomeações.
  2. Nomeações controlam supervisão.
  3. Supervisão finge que vê, para não prejudicar o partido.
  4. Quando rebenta, o Estado paga.
  5. Ninguém é politicamente punido.
  6. Imprensa vive de publicidade institucional.
  7. Cidadão paga a conta.

É por isso que afirmo — e bem — que isto não foi acidente: foi modelo.

🔶 8. O que ficou por julgar

Há uma dimensão que quase nunca entra nos processos: a corrupção das consultorias, das Fundações, dos estudos inúteis, das empresas "de proximidade" e dos ajustes diretos sucessivos. Isto, somado a 20-30 anos, custa tanto como um banco. Só que é mais discreto.

🔶 9. Conclusão dura

Portugal não empobreceu por fatalidade histórica. Empobreceu porque uma minoria organizada capturou o Estado e usou a democracia como capa de respeitabilidade para crimes económico-políticos.

Se não houver:

  • criminalização séria do enriquecimento injustificado,
  • portal público de todos os contratos do Estado,
  • limite real a ajustes diretos,
  • e substituição de nomeações partidárias por carreiras técnicas,

…vamos repetir estes crimes nos próximos 20 anos — apenas com nomes mais modernos.

Dossier de memória política — para que o país não volte a fingir que "não sabia".
Francisco Gonçalves · Fragmentos do Caos

"A História não esquecerá os ladrões de ocasião,
mas julgará com mais severidade os que,
podendo mudar o rumo, escolheram o silêncio."

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