Portugal : A Liturgia do Ruído Digital

Ecos do Coliseu Virtual
Portugal investe há décadas em I&D, milhões de euros, mas o retorno visível para o PIB é fraco — este artigo examina o porquê.
Temos assistido, ao longo de cerca de meio século, a um investimento significativo em investigação e desenvolvimento em Portugal. A promessa era ambiciosa: ciência, tecnologia, emprego qualificado, exportações de alto valor. Mas… onde está o salto decisivo?
1. Indicadores de I&D
| Ano | Despesa I&D (% do PIB) | Observações |
|---|---|---|
| 2022 | ≈ 1.70 % | Registrado pela fonte CEIC/OECD. 0 |
| 2023 (União Europeia média) | ≈ 2.22 % | Dados Eurostat. 1 |
| Avaliação de incentivos fiscais I&D | ≈ 0.39 % do PIB | Portugal lidera entre países da OCDE. 2 |
Em suma: apesar do investimento continuado, Portugal ainda está abaixo da média europeia no que toca à intensidade de I&D. O esforço existe, mas o ponto de inflexão ainda não foi atingido.
2. Casos de Sucesso Relevantes
| Empresa/Entidade | Produto/Serviço | Impacto |
|---|---|---|
| BIAL | Fármaco antiepiléptico (eslicarbazepina) — Zebinix/Aptiom | Desenvolvido em Portugal, aprovado pela EMA, comercializado internacionalmente. |
| TEKEVER | Drones marítimos (AR3/AR5) para vigilância costeira | Operações nacionais e exportações para entidades europeias. |
| OutSystems | Plataforma low-code para desenvolvimento enterprise | Unicorn português, impacto global (avaliado em ~$9,5 B). 6 |
| Talkdesk | Software de contact-center em cloud + IA | Outro unicorn português, presença global. 8 |
| Feedzai | Plataforma de anti-fraude com IA | Crescimento internacional, sede/raízes em Portugal. 10 |
Estes exemplos mostram que há inovação, talento e impacto — nem sempre visível na economia doméstica como gostaríamos, mas reais.
3. Por que razão o retorno macro está limitado?
As razões são múltiplas:
- A intensidade de I&D em Portugal ainda é baixa relativamente aos países de topo. 11
- A ligação entre academia-pesquisa e indústria escalável permanece fraca (licenciamento, spin-offs, cadeias de valor). 12
- Muitas empresas "escalam" fora de Portugal — isso dilui o impacto directo no PIB nacional.
- O capital de risco e investimento em fases tardias ainda são escassos comparativamente a outros países. 13
- A medição de "sucesso" pode ser de curto prazo, enquanto a transformação industrial exige décadas e ecossistemas sólidos.
4. Caminhos para o futuro
Para que este investimento se transforme em riqueza duradoura, sugiro focar em:
- Mais incentivos à I&D empresarial, não só académica.
- Políticas de "procurement de inovação" — o Estado como cliente inicial.
- Capital paciente de crescimento para manter sede, emprego e cadeia de valor em Portugal.
- Foco em nichos onde há já vantagem: saúde digital, software B2B, vigilância marítima, micro-satélites.
- Medição e acompanhamento mais rígidos: patentes, exportações, criação de valor real.
No fim, o investimento existe. O talento também. O desafio maior? Fazer com que o ruído se torne música, e o caos se transforme em ordem criativa.
© Francisco Gonçalves — Série Contra o Teatro da Mediocridade
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