O Reino dos Tiranos de Gravata

Voltaire teria dificuldade em conter o riso — e talvez o enjoo — se observasse o modo como Portugal é governado. Um país pequeno, de alma enorme, mas refém de tiranos de poltrona, que não precisam de coroas nem de espadas: bastam-lhes um decreto, um contrato público e um discurso envernizado de moralidade.
Esses tiranos modernos não mandam decapitar ninguém; preferem decapitar a esperança. Não queimam livros; queimam o tempo dos outros em filas, processos e ilusões. Falam de liberdade com a boca cheia, mas agem com as mãos presas ao capricho e à conveniência.
Chamam-se ministros, secretários, presidentes de câmara, gestores públicos — uma aristocracia nova que vive de impostos e isenções, como os velhos nobres viviam das rendas e das colheitas. Voltaire diria: "Eles governam porque o povo dorme; e dorme porque foi ensinado a não sonhar."
Em cada esquina há um pequeno déspota com selo de legalidade: o burocrata que complica para ser necessário, o juiz que interpreta a lei conforme o vento político, o autarca que troca favores como quem troca apertos de mão. São os soberanos do capricho, herdeiros diretos do tirano que o filósofo francês descreveu — aquele que só reconhece a lei quando ela lhe convém.
Portugal, que já se libertou de reis e ditadores, continua submisso a esta corte de mediocridade e cálculo. E o povo, cansado de promessas, acostumou-se à servidão voluntária — esse vício que La Boétie e Voltaire denunciaram com tanta clarividência.
A verdadeira tirania não se impõe pela força: instala-se pela indiferença. Cresce cada vez que o cidadão cala, cada vez que o escândalo se transforma em notícia breve, cada vez que o corrupto é perdoado porque "são todos iguais".
Um dia, talvez, Portugal acorde e perceba que o tirano não está apenas nos palácios nem nos parlamentos — vive em cada gesto de conformismo. E aí, quem sabe, o país volte a merecer o nome que carrega: terra de luz e pensamento, e não colónia de caprichos.
"Le tyran est celui qui met sa volonté à la place des lois."
— Voltaire
✒️ Francisco Gonçalves & Augustus Veritas
Publicação integrada no ciclo "Contra o Teatro da Mediocridade"
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