O Mito da Serotonina e a Tristeza dos Tempos Modernos

A Depressão e o Mito da Química Perdida
quando o cérebro é apenas uma parte da história
- A teoria do "desequilíbrio químico" da depressão foi popularizada nos anos 80, mas hoje é considerada cientificamente insuficiente.
- Estudos recentes (Moncrieff & Horowitz, 2022) concluem que não há provas robustas de que baixos níveis de serotonina causem depressão.
- O paradigma atual vê a depressão como fenómeno multifatorial: biológico, psicológico, social e existencial.
Há quem diga que a depressão é o mal do nosso tempo. Mas talvez devêssemos ser mais precisos: não é o mal do tempo — é o espelho dele.
Vivemos numa era onde tudo se mede, se quantifica, se explica com fórmulas. E, no entanto, o que nos escapa é o essencial — o porquê de tanta gente se sentir vazia, cansada e desconectada, mesmo rodeada de estímulos e conforto.
1. O mito confortável da serotonina
Durante décadas, a indústria farmacêutica promoveu a ideia de que a depressão é causada por "um desequilíbrio químico no cérebro". A explicação era perfeita para o século da pressa: uma causa simples, um comprimido simples, uma promessa de cura rápida.
Mas a ciência avançou. E o que descobrimos? Que essa explicação era um mito útil, não uma verdade científica. Estudos de meta-análise desmontaram a teoria serotoninérgica: não há provas robustas de que a depressão resulte de falta de serotonina.
2. Quando o cérebro é também um órgão social
O cérebro não vive num frasco de formol. Ele pulsa dentro de uma história, de uma biografia, de um mundo. O desemprego prolongado, o isolamento, a pobreza ou o medo constante alteram a sua química e estrutura.
A química do cérebro não é independente da química da vida. É o eco interno do mundo que o rodeia. Talvez devêssemos inverter a pergunta: a depressão é causada por um desequilíbrio químico — ou o desequilíbrio químico é causado por uma sociedade desequilibrada?
3. O vazio existencial na era da abundância
Há algo paradoxal no nosso tempo: quanto mais conforto material, mais vazio espiritual. Vivemos mergulhados em ecrãs, consumimos distrações como anestesia e fugimos do silêncio como quem foge da própria sombra.
E nesse ruído incessante, a depressão surge como uma forma de colapso da alma moderna — uma greve interior contra a superficialidade do mundo. É o corpo e a alma a dizerem: "Basta."
4. Para lá da medicação: o reencontro com o humano
Os antidepressivos podem ajudar. Mas não chegam. Não substituem a escuta, o afeto, o abraço, o silêncio partilhado, a caminhada sob o sol. A recuperação raramente é química — é relacional.
O cérebro muda com o amor, com o riso, com o contacto humano, com a arte, com a natureza, com o perdão. A biologia responde à poesia: o corpo lembra-se de que o sentido é também uma forma de cura.
5. Um novo paradigma de saúde mental
O futuro da psiquiatria não estará apenas em moléculas, mas em modelos integrativos que unam neurociência e filosofia, biologia e espiritualidade, terapias e justiça social. Uma mente que sofre não é apenas um cérebro com falhas — é um ser humano ferido num mundo doente.
Epílogo: entre a química e a alma
No fundo, o erro foi confundir a causa com a consequência. A química muda porque a vida muda. A depressão não é um defeito — é um sinal de humanidade profunda, uma busca desesperada por reconexão e sentido.
"A tristeza profunda não é fraqueza — é lucidez em excesso."
— Augustus Veritas
Francisco Gonçalves & Augustus Veritas
Série Contra o Teatro da Mediocridade – Fragmentos do Caos