Portugal: O País que Nunca se Libertou

Entre os cinzentos do passado e os medíocres do presente

Portugal não evoluiu muito desde o século passado. Mudaram-se os nomes, as bandeiras, as siglas partidárias — mas o enredo é o mesmo, a peça idêntica, e os atores saem sempre do mesmo palco sombrio da mediocridade. O provincianismo continua entranhado na política e na alma social, como um vírus antigo que sobreviveu a todas as revoluções e a todas as promessas de modernidade.

Os cinzentos de Salazar — obedientes, cínicos e domesticados — deram origem aos cinzentos do século XXI: homens e mulheres de fato bem cortado, língua treinada e pensamento ausente. Antes, a mediocridade servia o regime pela censura; hoje, serve o poder pela conveniência. E o resultado é o mesmo: um país imobilizado, paralisado, resignado a viver dentro da fronteira estreita da sua própria pequenez.

O Poder que se Perpetua

O poder, em Portugal, não é um serviço — é uma herança. Passa-se de pai para filho, de amigo para amigo, de partido para partido. Os mesmos nomes, as mesmas famílias, os mesmos silêncios. O sistema político tornou-se um museu de vaidades hereditárias, onde a ambição se disfarça de vocação e a corrupção se mascara de competência.

De Salazar a Montenegro, do autoritarismo ao formalismo democrático, o fio é contínuo: o poder perpetua-se, as vontades não mudam, e o povo assiste como quem já desistiu de acreditar. O Estado continua a ser a grande vaca sagrada da esperteza, o templo do compadrio e da intriga, o refúgio de todos os que nunca souberam criar senão dependências.

"Portugal trocou de roupa, mas não de alma. O fascismo saiu pela porta da frente; a mediocridade entrou pela janela da democracia."

Camões Enganou-se

Há quinhentos anos, Camões acreditou num povo heroico, audaz e livre. Cantou o génio de um país que julgava imortal. Mas o tempo mostrou-lhe a ironia cruel: Portugal tornou-se o reino das desculpas, a nação das promessas adiadas, o império dos conformados. Entre a epopeia e a apatia, perdemos o fogo. O mar que outrora nos levou ao mundo agora é o espelho onde contemplamos a nossa própria estagnação.

"Entre as gentes mais ilustres da Europa"? Talvez entre as mais dóceis, as mais manipuláveis, as mais domesticadas. A glória, essa, partiu há séculos, e o que ficou é um rumor de passado usado como cortina para esconder o presente pobre e o futuro adiado.

Os Filhos da Mediocridade

Vivemos cercados por mediocridade institucionalizada. Os que pensam são silenciados, os que criam são esquecidos, os que questionam são excluídos. O país premia o conformismo, condecora a obediência e abençoa o subserviente. É por isso que as elites são sempre as mesmas — porque o mérito, entre nós, é pecado e o talento, uma ameaça.

O ensino fabrica repetidores, a política fabrica carreiristas, a comunicação fabrica distrações. E o povo, entorpecido, aceita. Aceita tudo — o escândalo, o roubo, a incompetência — porque aprendeu que lutar é inútil e pensar é perigoso.

O Futuro Ainda Pode Nascer

Mas há sempre uma centelha — ténue, mas viva — a resistir nas sombras. Vive nos que ainda acreditam que pensar é um acto de revolta, e criar é uma forma de libertação. Vive em cada palavra que se recusa a ajoelhar. E é essa centelha que mantém o país à tona — não os seus líderes, mas os seus lúcidos. Os que escrevem, os que constroem, os que não desistiram.

O que nos resta, talvez, seja o gesto de quem ainda escreve em liberdade. Porque pensar, em Portugal, é o último acto de coragem — e o primeiro de libertação.

Portugal não é o que nos venderam. É o que ainda pode ser — se os que têm o fogo, finalmente, se juntarem. Porque só a lucidez e a coragem poderão, um dia, quebrar esta longa noite de cinzentos.

Publicado em Fragmentos do Caos — Série Contra o Teatro da Mediocridade
© 2025 Francisco Gonçalves
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