O Médico Substituível: Quando a Inteligência Artificial Supera o Sistema Nacional de Saúde

Box de Factos
Os médicos de família, outrora guardiões da saúde preventiva, estão hoje submersos em burocracia, tecnologia obsoleta e falta de tempo para o essencial: o acompanhamento humano e clínico dos seus pacientes. No caos do SNS, a inteligência artificial começa a mostrar-se mais capaz de diagnosticar, prever e personalizar cuidados do que o próprio sistema de saúde pública.

Hoje, um médico de família é, em grande parte, perfeitamente substituível pela inteligência artificial. A análise que fazem do paciente é superficial, quase sempre baseada em sintomas imediatos e registos incompletos. Muitos nem sequer anotam de forma rigorosa as análises e relatórios de exames que mandam fazer. Os históricos clínicos são fragmentados, e a visão do doente, parcial. A cada visita, o paciente é visto como uma folha em branco — sem contexto, sem memória, sem continuidade.

Isto seria apenas uma falha administrativa se não tivesse consequências graves. Mas tem. Sem o histórico completo, a capacidade de ajustar medicação, antecipar riscos ou detectar padrões críticos é praticamente nula. E, como se não bastasse, os exames e análises mais relevantes são frequentemente omitidos — adiados, desvalorizados ou simplesmente ignorados, até que o problema se torne irreversível.

O encaminhamento para especialistas do SNS é outro espelho da tragédia. Feito tardiamente, quase sempre em situações já degradadas, transforma o que poderia ser prevenção em remediação. O sistema, saturado e sem visão de longo prazo, funciona em modo reactivo: corre atrás do doente, em vez de o acompanhar. E assim, o que deveria ser a primeira linha da saúde — os cuidados primários — tornou-se o seu elo mais frágil.

A inteligência artificial, com todo o seu rigor algorítmico, já faria melhor. Analisaria o historial clínico completo de cada paciente, cruzaria resultados laboratoriais, padrões vitais, sintomas recorrentes e até sinais subtis em exames passados. Sugeriria diagnósticos diferenciais, proporia terapêuticas personalizadas e, sobretudo, não se esqueceria do essencial: a coerência dos dados.

O drama é que, no humano, a ciência foi substituída pela rotina e a empatia pelo cansaço. Os médicos de família são vítimas de um sistema que os desumaniza — tornaram-se meros executores de protocolos e cliques em software lento. E assim, o doente transforma-se num número, e a consulta numa repetição burocrática.

A verdadeira medicina perdeu-se algures entre o formulário e o "sistema em baixo". Enquanto isso, o corpo sofre, e a alma espera.

"Servimos apenas um poder — o da Verdade que liberta."

Francisco Gonçalves
Série Contra o Teatro da Mediocridade · Fragmentos do Caos

NOTA : Este artigo e as conclusões são fruto da interacção do autor com a estrutura do SNS de "médicos de saúde familiar" ao longo de décadas.

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