Entre o Código e o Caos — Crónica da Falha Portuguesa

O Governo das Tecnologias e o Código da Vergonha
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O novo sistema informático dos Tribunais Administrativos e Fiscais, introduzido no dia 20, mergulhou a Justiça no caos: processos perdidos, juízes sem acesso, julgamentos adiados e erros de encaminhamento. O Conselho Superior dos Tribunais exigiu uma reunião urgente com o Ministério da Justiça, que respondeu com a promessa de "melhorar as funcionalidades".
Portugal quis digitalizar a Justiça e conseguiu — digitalizou o caos. O novo sistema informático, lançado com pompa e "visão tecnológica", não trouxe eficiência, mas desordem. É a velha tradição lusitana do milagre digital: a cada nova plataforma, nasce um novo colapso.
Os tribunais ficaram paralisados, processos evaporaram-se, acessos desapareceram e juízes receberam dossiês que nunca lhes pertenceram. Mas, claro, o Ministério da Justiça tranquilizou a nação com a sua ladainha habitual: "Comprometemo-nos a melhorar as funcionalidades." Frase sagrada, dita sempre que o desastre é demasiado grande para ser explicado.
Vivemos num país onde o Estado se gaba de "governo digital", mas ainda não aprendeu a testar um sistema antes de o colocar em produção. Onde o "CTO das Maravilhas" é um político com PowerPoint, e o código é entregue a empresas que programam às cegas, sem auditoria, sem redundância e, claro, sem responsabilidade.
Quando um tribunal perde processos por falha informática, não é uma "ocorrência técnica" — é uma **violação da justiça**. O software tornou-se a nova toga dos juízes, e cada erro é um julgamento adiado, um direito ferido, uma confiança quebrada.
Mas nada disto é novo. É a cultura do improviso e do favor, aplicada à informática pública: concursos milionários, sistemas entregues por quem não compreende a sua importância e direções gerais transformadas em feudos digitais.
O resultado é previsível — bugs, falhas, promessas e... comunicados. No fim, o povo paga. O programador invisível leva a culpa. O ministro sorri. E o sistema continua a falhar com elegância institucional.
Chama-se modernização. Eu chamo-lhe o código da vergonha.
Durante décadas, assisti a estas tragédias digitais a repetirem-se com nomes novos e erros antigos. São sempre os mesmos fantasmas: a falta de visão estrutural, a ausência de planeamento, a mediocridade travestida de modernidade. Vi ministros encantados com protótipos e diretores fascinados por contratos — mas quase nunca encontrei engenheiros a pensar o futuro. Em Portugal, a tecnologia pública é muitas vezes conduzida por quem não sabe o que é um ciclo de vida de projeto, um teste de stress, uma arquitetura redundante. E por isso tudo falha — não por azar, mas por incompetência pura e dura. Enquanto a vaidade dita as decisões, o país continua a tropeçar nos seus próprios cabos.
— Francisco Gonçalves / Fragmentos do Caos
"Um bug no coração da Justiça é mais grave do que mil falhas num servidor — é o colapso da confiança."