Introdução Poética

Há um país que envelhece de pé, diante de si mesmo, como um espelho rachado onde o tempo se esqueceu de refletir. Um país que aprende a sobreviver entre promessas e faturas, que confunde estabilidade com resignação, e democracia com a arte de esperar eternamente por justiça.

O Orçamento de Estado, que deveria ser um instrumento de futuro, tornou-se um ritual de anestesia coletiva. Cada cifra é um véu lançado sobre a verdade, cada discurso um eco que se perde nos corredores da conveniência. Fala-se de crescimento, mas o solo é estéril; fala-se de progresso, mas as flores que nascem são de plástico.

O que resta é poesia — não a dos salões, mas a das ruas, das vozes que ainda resistem à amnésia. Poesia feita de lucidez e desalento, de esperança que não morre, mesmo quando tudo desaba. É essa voz que aqui se levanta: a de um país cansado de sobreviver às suas próprias promessas.

Orçamento de Um País Sem Futuro

— Canção de Inverno para um País que Esqueceu Sonhar —

Portugal dorme.
Sonha com tabelas e números que não entende,
com ministros que sorriem entre colunas de Excel,
como se o destino coubesse numa célula colorida.

Na penumbra do Terreiro do Paço,
ouve-se o tilintar das moedas públicas,
recontadas por mãos hábeis e corações vazios.
O povo, esse, mastiga promessas antigas,
com o mesmo pão seco de cada ano.

Há um Orçamento — há sempre um Orçamento.
Repleto de vírgulas e ilusões.
Chamam-lhe "justo", "responsável", "equilibrado" —
palavras redondas para esconder feridas fundas.

Mas nos becos da cidade,
as vozes baixas dizem outra coisa:
que a justiça é um luxo,
que a ética é um rumor antigo,
que o progresso é um eco perdido no nevoeiro.

O país vive de migalhas e anúncios,
de reformas que nunca chegam,
de esperanças parceladas em doze prestações.
E os que governam,
tão cheios de estatísticas,
tão pobres de alma,
continuam a prometer futuro —
a quem já perdeu o presente.

Portugal,
ó terra que trocou a coragem pela paciência,
a lucidez pelo conformismo,
e o sonho pela burocracia,
quem te salvará do tédio e da mentira?

Enquanto isso, o Orçamento passa.
Aprova-se, corrige-se, publica-se.
E o povo, cansado,
aplaude em silêncio —
porque já nem sabe o que é revoltar-se.

Mas há quem escreva.
Há quem ainda acenda lume nas palavras.
Há quem creia, como quem resiste,
que um país só morre quando se cala.


Artigo autoria de 📖 Aletheia Veritas

💫📖 Fragmentos do Caos Série: Contra o Teatro da Mediocridade

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