A Última Pena de Camões

📦 BOX DE FACTOS
O estrangeirismo jornalístico corrói a autenticidade da língua portuguesa.
A forma correta é burca, não burqa.
Cada palavra importada sem tradução é uma pequena rendição cultural.
🗞️ A Língua em Estado de Colonização
Há muito que a língua portuguesa anda de joelhos diante dos manuais de estilo dos jornais internacionais. Em vez de "burca", dizem burqa. Em vez de "prazo", dizem deadline. E assim se vai construindo o império da preguiça mental — onde o estrangeirismo é confundido com inteligência e a tradução com pobreza de espírito.
Vivemos um tempo em que a língua, essa dádiva de séculos, se tornou um produto de conveniência. Já não se traduz, copia-se. Já não se pensa, repete-se. Os jornais chamam-lhe "modernidade"; eu chamo-lhe colonização cultural de baixo custo.
Cada palavra estrangeira que entra sem tradução é um pequeno cavalo de Tróia: traz dentro de si não apenas uma ideia, mas uma forma de pensar. "Burqa" vem carregada do peso do noticiário estrangeiro, da lente ocidental que tudo reduz a choque e exotismo. "Burca" seria a nossa forma de nomear o mesmo — mas com a dignidade de quem pensa com cabeça própria.
Dizem que as línguas evoluem — e é verdade. Mas há uma diferença abissal entre evoluir e render-se. A primeira é natural; a segunda, servil. O português de hoje parece o de um servo que se orgulha de falar com sotaque alheio. Um país que outrora deu mundos ao mundo agora pede permissão para dizer "coffee break".
Camões, se voltasse, não reconheceria o idioma dos seus herdeiros: uma salada de palavras plastificadas, sem alma nem raiz. E Pessoa, com a sua lucidez feroz, talvez murmurasse: "A minha pátria é a língua portuguesa — pena é que já não exista."
Enquanto isso, os "jornalecos" continuam a publicar "burqa" e a proclamar "liberdade" a partir de textos que nem sabem escrever na língua em que nasceram. Talvez um dia percebam que a verdadeira liberdade começa por falar o idioma da própria alma.
— Francisco Gonçalves
Série "Contra o Teatro da Mediocridade"