As Forças Ocultas do Poder Visível

Box de Factos:
O primeiro-ministro Luís Montenegro afirmou estar "indignado e revoltado" com a investigação da Procuradoria-Geral da República e falou em "forças ocultas" que pretendem desestabilizar o Governo.

Portugal, país de encantos e espantos, voltou a entrar em modo novela: o primeiro-ministro, de toga verbal e olhar inflamado, declarou-se "indignado e revoltado" — não com a corrupção, não com a decadência moral, mas com o atrevimento da justiça em tocar-lhe à campainha.

Há algo de poético nesta fúria seletiva. As "forças ocultas" surgem sempre que o poder tropeça nas suas próprias sombras. São o saco de boxe preferido dos que juram inocência com voz trémula e punhos cerrados — não contra o crime, mas contra quem investiga o crime.

Ocultas, diz ele. Mas o que é oculto num país onde tudo se faz às claras e nada se esclarece? Essas forças não vivem nas trevas — vivem nos gabinetes, nas avenidas do poder, nos almoços discretos e nas chamadas que não deixam rasto. São tão visíveis que se tornaram invisíveis pela repetição.

Montenegro fala de conspiração, como se o país tivesse tempo para intrigas metafísicas. A verdadeira força oculta é a impunidade crónica — essa energia negra que atravessa governos, partidos e décadas, e que transforma escândalos em ruído de fundo e vergonha em rotina administrativa.

"As forças ocultas são apenas as mãos que empurram o tapete para esconder a sujidade que o próprio poder derramou."

Indignado? Revoltado? Pois que o seja, mas com o país real — o das filas nos hospitais, o das escolas degradadas, o dos salários de miséria e das promessas recicladas em cada ciclo eleitoral. Essa sim, é uma força — visível, palpável e ignorada com maestria aristocrática.

No fim, o espetáculo repete-se: o governante ferido de honra posa para a câmara, o comentador suspira, o povo muda de canal. E o sistema, esse monstro de terno e gravata, continua a rir-se nas entrelinhas.

Augustus Veritas & Francisco Gonçalves
Série: "Contra o Teatro da Mediocridade"

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