📌 Box de Factos

Tema: A expansão dos centros de dados em Portugal e o risco de uma nova bolha tecnológica.

Série: Contra o Teatro da Mediocridade

Assinatura: F. Gonçalves & Augustus Veritas

A Bolha Digital: Os Armazéns de Dados e a Ilusão do Progresso

Por F. Gonçalves & Augustus Veritas — Série "Contra o Teatro da Mediocridade"


Portugal vive, neste momento, uma euforia tecnológica. Governos, autarcas e investidores apregoam o nascimento de um novo "milagre digital". Por todo o país, de Sines a Covilhã, de Lisboa a Viseu, erguem-se gigantescos centros de dados — templos modernos do armazenamento e do processamento, onde o ar condicionado substitui o vapor das antigas fábricas. Fala-se de inovação, de futuro, de Portugal no mapa das tecnologias do século XXI. Mas há algo profundamente inquietante por trás desta narrativa reluzente.

Estamos a construir, com entusiasmo quase religioso, a infraestrutura de uma nova bolha económica. A retórica é empolgante — "Portugal digital", "nuvem europeia", "soberania tecnológica" —, mas o modelo é perigosamente conhecido: muito investimento inicial, pouca sustentabilidade real e benefícios estruturais quase nulos para a economia nacional.

💾 O Mito da Soberania Digital

O discurso oficial proclama que estes centros de dados garantirão a soberania digital do país. Mas soberania implica controlo — e Portugal não controla nada do que aí se constrói. As infraestruturas são detidas por multinacionais, as tecnologias são importadas e os dados que nelas circularão pertencem a entidades estrangeiras. O que Portugal fornece é espaço, energia e silêncio fiscal. O resto, incluindo o lucro e a propriedade intelectual, vai para fora.

Somos o novo entreposto digital da Europa: um país periférico que exporta localização e importa dependência. A retórica do "hub tecnológico" é, no fundo, a versão 4.0 do velho complexo colonial: oferecemos o território e a mão de obra, eles trazem o capital e levam o valor.

⚡ Energia e Ilusão

Cada centro de dados consome o equivalente energético de uma pequena cidade. São infraestruturas vorazes, exigindo refrigeração constante e fornecimento elétrico ininterrupto. Portugal, país com uma das eletricidades mais caras da Europa, está a subsidiar a energia para empresas que aqui pagam impostos mínimos. Ironia maior: estas mesmas empresas promovem-se como "verdes", embora dependam de redes que continuam longe da neutralidade carbónica real.

O discurso ambiental é apenas maquilhagem. As autarquias anunciam "milhares de empregos", mas a verdade é que um centro de dados moderno emprega menos gente do que um pequeno supermercado. São estruturas automatizadas, frias e silenciosas — a imagem perfeita do capitalismo digital sem rosto.

🏗️ A Bolha Económica à Vista

As bolhas começam sempre com o mesmo perfume: euforia, promessas, investimento e slogans. Foi assim com o imobiliário, com as energias renováveis, com as fintechs e agora com os centros de dados. O Estado entra com terrenos, incentivos e eletricidade barata; as multinacionais entram com logótipos, discursos e contratos blindados. Quando a maré tecnológica mudar — e mudará —, Portugal ficará com as estruturas e com as dívidas.

Os especialistas alertam: o crescimento descontrolado do setor pode gerar um excesso de capacidade e uma concorrência insustentável, semelhante à bolha das telecomunicações dos anos 2000. A diferença é que, desta vez, o ativo não é invisível: são edifícios de betão e aço que consomem megawatts e produzem… calor.

📉 Quando o Futuro se Torna Passado

Dentro de dez anos, muitos destes "centros de futuro" estarão tecnologicamente ultrapassados. Os servidores envelhecem rápido, as tecnologias mudam e o mercado global desloca-se. As promessas de 2025 serão os elefantes brancos de 2035. O problema não é construir — é não saber para quê se constrói.

Portugal confunde infraestrutura com progresso, cabos com conhecimento, e megawatts com desenvolvimento humano. Nenhum país se tornou potência digital apenas por armazenar dados. A verdadeira transformação exige o que ainda nos falta: educação tecnológica, inovação própria e estratégia soberana.

🌍 O Verdadeiro Caminho

Em vez de ser o armazém da Europa, Portugal podia ser o laboratório do open source, da ciência aberta e do desenvolvimento ético de IA. Podíamos investir na inteligência humana antes de investir na artificial. Mas é mais fácil inaugurar betão do que educar cérebros. E assim, entre selfies políticas e comunicados entusiasmados, o país constrói o seu próprio labirinto digital — elegante, mas vazio.

Um país não progride por armazenar os dados do mundo, mas por gerar ideias que o mundo queira armazenar. 💡


Publicado em Fragmentos do Caos — Crónicas em defesa da lucidez tecnológica e da soberania digital.

🧠 Epílogo — A Parolice Tecnológica de um País Digitalmente Colonizado

Portugal continua a ser governado por autarcas parolos e governantes provincianos que confundem "modernização tecnológica" com a assinatura de contratos milionários com as mesmas multinacionais que há décadas nos exploram: Microsoft, Oracle, Amazon, SAP e outras detentoras da nova servidão digital.

Chamam-lhes "parcerias estratégicas", mas são apenas rendimentos perpétuos de submissão tecnológica. Confundem inovação com licenciamento, e confundem progresso com dependência. Um país que gasta milhões em software estrangeiro e negligencia o ensino de programação nas escolas é um país que não quer evoluir — quer parecer moderno.

Os nossos autarcas, de peito inchado e sorriso mediático, anunciam "hubs digitais" e "centros de inovação" que, na realidade, são apenas centros de consumo e subserviência. E o mais triste é que o fazem com genuína convicção, embalados por discursos técnicos que mal compreendem, e por consultores pagos para traduzir mediocridade em jargão.

Portugal podia estar a criar software livre, auditável e nacional; podia formar equipas locais de excelência, exportar código e conhecimento. Mas prefere continuar a alugar o cérebro e a vender o futuro. O mesmo país que há 500 anos levava o mundo em mapas, hoje navega em contratos de licenciamento com validade de três anos.

Esta é a nova colonização: já não se faz com espadas nem tratados, mas com logótipos e servidores. E o pior é que os colonizados aplaudem — achando-se visionários.

Open source não é só tecnologia — é independência. É o código que pertence ao povo, não às corporações. E só um país livre do medo de pensar por si poderá, um dia, ser realmente digital.

— F. Gonçalves

🌌 Fragmentos do Caos: Blogue Ebooks Carrossel
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