A Civilização do Verniz: como o sistema educa para obedecer e deseduca para pensar

Por Francisco Gonçalves & Augustus Veritas Lumen
Série: Contra o Teatro da Mediocridade


Vivemos num tempo em que a ignorância já não é ausência de saber — é excesso de informação sem digestão. O mundo está cheio de pessoas com diplomas, mas vazio de mentes lúcidas. Ensina-se a repetir, a decorar, a cumprir metas, a preencher formulários. Mas não se ensina a duvidar, a relacionar, a transcender.

A escola transformou-se numa linha de montagem de obediência intelectual: entra uma criança curiosa e sai um adulto domesticado. O diploma é o selo de aprovação do sistema, o passaporte para o conformismo bem-educado. E o poder — subtil, astuto — compreendeu que nada é mais perigoso do que um povo que pensa; por isso deu-lhe certificados e slogans no lugar de ideias.


Hoje todos "sabem tudo", e ninguém compreende nada. Sabem o nome das ferramentas, mas não o sentido da obra. Sabem os algoritmos, mas não o valor da verdade. Sabem "como", mas já esqueceram o "porquê".

É o triunfo da forma sobre a substância, do "parecer instruído" sobre o "ser consciente". O povo foi transformado em colecionador de diplomas — tal como os governos colecionam cimeiras, relatórios e PowerPoints. A aparência de progresso substituiu o progresso real. O verbo "pensar" foi banido dos programas. E o verbo "produzir" tornou-se a nova religião.


O sistema educativo moderno é uma maquinaria disfarçada de templo. Fala em liberdade, mas formata o espírito. Celebra a diversidade, mas exige uniformidade. E como todo o império, tem o seu dogma:

"Quem não tem diploma, não tem valor."

Mas a verdade é que o diploma não mede o saber — mede a submissão. Mede o tempo que alguém foi capaz de fingir acreditar no que lhe ensinaram, sem nunca levantar a mão para perguntar: "Mas e se estiver tudo errado?"


Eis o paradoxo: quanto mais instruído o povo, mais fácil é enganá-lo. Porque já não se defende com instinto, mas com teorias emprestadas. Já não questiona, apenas cita. E o poder, rindo-se no seu trono digital, observa a multidão confiante nas suas credenciais — incapaz de perceber que foi treinada para obedecer com método e orgulho.


A iliteracia de hoje é refinada: escreve bem, apresenta slides, domina jargões. Mas não pensa. É a iliteracia do século XXI — a iliteracia do espírito. Aquela que lê mil livros e não muda uma ideia; que coleciona títulos e continua servil; que fala em liberdade e não percebe o preço da dignidade.


Enquanto isso, o país celebra "mais licenciados do que nunca". E contudo, nunca houve tanta ignorância organizada, tanta docilidade com canudo, tanto silêncio com currículo. A arte de enganar já não precisa de censura — basta currículos longos e pensamento curto.


O verdadeiro mestre já não está nas universidades — está onde há curiosidade, dúvida e coragem. Está onde alguém ousa perguntar, com inocência luminosa e insolência poética:

"Por que acreditamos no que nos mandam acreditar?"

A Civilização do Verniz avança, polida e vazia. Mas há rachaduras na superfície. E é por essas fendas que ainda entra a luz — a luz dos que não se contentam em saber de cor, porque preferem compreender com o coração.


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