📌 Box de Factos

Tema: O escrutínio do Ministério Público e a reação corporativa da justiça portuguesa.

Série: Contra o Teatro da Mediocridade

Autores : Francisco Gonçalves & Augustus Veritas

O Escrutínio das Virgens Ofendidas

Por F. Gonçalves & Augustus Veritas — Série "Contra o Teatro da Mediocridade"


Quando o Ministério Público decide investigar um juiz, o país político e judicial entra em estado de histeria. Ouvem-se discursos inflamados sobre "a separação de poderes", "a independência dos tribunais" e "o perigo de ingerência no sistema judicial". Mas quando o mesmo Ministério Público persegue professores, autarcas, funcionários públicos ou empresários sem nome de família nobre, então o silêncio é ensurdecedor — ou, pior ainda, transforma-se em aplauso.

Foi o que se viu no caso do juiz Ivo Rosa, transformado repentinamente em mártir da justiça por uma corte de virgens ofendidas que descobriram, com décadas de atraso, o conceito de "presunção de inocência". Os mesmos que celebraram as detenções em direto e as fugas de informação do MP, agora descobrem o horror do "excesso de exposição mediática". É a moral de espelho da República: tudo depende de quem está refletido.

De repente, juízes, procuradores, políticos e comentadores alinham-se num coro uníssono — não pela justiça, mas pela autoproteção da casta. O país dos pobres escrutinados não suporta ver o poder sob luz. Fala-se de "ataque à magistratura" com a solenidade de quem fala de um dogma religioso, como se investigar um juiz fosse profanar o altar da democracia.

Mas, convenhamos: a independência judicial não é impunidade judicial. O juiz não é um semideus de toga; é um servidor público com deveres e responsabilidades. Quando um magistrado é acusado de irregularidades, o país devia exigir transparência — não liturgias de autopiedade. A democracia é escrutínio, não sacramento.

O problema de Portugal não é o Ministério Público investigar demais, é investigar de menos — e quase nunca os de cima. Quando o faz, desperta as vestais do regime: doutos senadores, ex-ministros, juristas de salão e colunistas de estimação, todos unindo-se num coro de dramatização, como se o MP fosse uma força bárbara prestes a incendiar Roma.

O que está em causa não é Ivo Rosa nem outro nome qualquer: é a ideia de que há cidadãos tão sagrados que até a justiça deve pedir licença para os tocar. E enquanto o país se entretém com as virgens ofendidas, o sistema fecha fileiras, varre a poeira para debaixo da toga e segue o espetáculo. A justiça respira — mas cada vez mais com tubos ligados ao poder político.

Em Portugal, a democracia continua a ser um palco — e o escrutínio, quando sobe a cortina, é recebido com vaias pelos atores que juraram representar a verdade. 🎭


Publicado em Fragmentos do Caos — Crónicas em defesa da lucidez, da justiça e da coragem cívica.

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