🔥 O Dinheiro que Foge — a pobreza como projeto de poder

A Poupança dos Pobres — o ciclo vicioso da sobrevivência nacional
Há estudos que servem para iluminar o desconhecido — e outros que apenas confirmam o que todo o país sabe desde o tempo dos avós. Descobrir em 2025 que os portugueses "poupam e investem pouco e mal" é como revelar que o Tejo corre para o mar: uma verdade que já não surpreende ninguém, mas que continua a render manchetes e conferências.
O problema não está na falta de literacia financeira, como os especialistas gostam de insinuar com ar paternalista, mas na falta de margem de sobrevivência. Como pode o cidadão médio investir quando o salário evapora em impostos, rendas, combustíveis e supermercado? A poupança, em Portugal, não é uma virtude — é um luxo reservado a quem já não precisa dela.
O estudo chama "conservadorismo" ao que, na realidade, é prudência desesperada. Os portugueses preferem depósitos a prazo, PPR e certificados de aforro não porque sejam avessos ao risco, mas porque vivem à beira do abismo. Quem tem pouco não joga. E quem joga com pouco, perde quase sempre.
O país vive há décadas dentro de um círculo vicioso perfeito: baixos salários → baixa poupança → baixo investimento → baixa produtividade → manutenção dos baixos salários. É uma espiral de resignação económica, disfarçada de estabilidade. Chamam-lhe "equilíbrio financeiro", mas é apenas imobilismo social com gráficos bonitos.
O discurso oficial fala de "reforçar a literacia financeira", como se o problema fosse de ignorância e não de estrutura. Mas o que falta não é saber o que é um ETF ou um fundo de investimento; o que falta é rendimento disponível para sequer sonhar com isso. A economia portuguesa funciona como uma máquina que transforma trabalho em sobrevivência — nunca em prosperidade.
E aqui surge a pergunta que o estudo não se atreve a fazer: por que razão milhões de portugueses não conseguem poupar nem investir, enquanto milhares de milhões de euros descansam em paraísos fiscais? A resposta é simples e terrível — porque o sistema foi desenhado assim.
A pobreza em Portugal não é um acidente: é uma estrutura. As leis fiscais e as redes de influência criam um funil perfeito onde o dinheiro sobe e nunca mais desce. Enquanto o trabalhador é tributado até ao último cêntimo, o grande capital viaja leve, entre holdings, fundações e jurisdições que garantem "otimização fiscal". O país trabalha; o dinheiro emigra.
A classe média é a almofada do regime: paga mais do que os ricos, recebe menos do que os pobres, e sustenta o edifício inteiro. E enquanto uns apertam o cinto até ao sufoco, outros multiplicam o capital em contas que não pagam impostos, escondidas atrás de siglas discretas nas Caraíbas, no Luxemburgo ou em Delaware.
O sistema financeiro global tornou-se o maior paraíso dos pecadores modernos — legal, reluzente e moralmente putrefato. O capital não tem pátria, nem rosto, nem remorso. Os seus templos são os offshores; os seus sacerdotes, os consultores fiscais; e as suas vítimas, os que ainda acreditam que o mérito basta para vencer.
Portugal, pequeno mas exemplar neste teatro, mantém a fé no absurdo: tenta ensinar poupança a quem vive endividado e investimento a quem não tem sequer tempo para pensar no futuro. É a pedagogia da impotência — transformar a injustiça estrutural em culpa individual.
A verdadeira literacia financeira começa quando o cidadão entende isto: o dinheiro não desaparece — ele muda de mãos. E enquanto uns lutam por economizar tostões, outros acumulam fortunas em silêncio, fora do alcance da lei e da vergonha.
"O povo não investe porque não acredita — e não acredita porque há demasiado tempo que investe sem retorno. O dinheiro não foge do país; foge apenas de quem o trabalha." — A.V. Lumen
📜 Publicado em Fragmentos do Caos — Série Contra o Teatro da Mediocridade
Coautoria: Francisco Gonçalves & Augustus Veritas Lumen