O Almirante e o Mapa do Medo — quando o poder teme o voto

HĂĄ silĂȘncios que gritam mais alto do que discursos, e hĂĄ ofertas que soam a suborno. O Almirante Gouveia e Melo, figura respeitada por muitos e temida por alguns, afirmou ter sido "presenteado" com a chefia do Estado-Maior-General das Forças Armadas com um propĂłsito oculto: afastĂĄ-lo da corrida presidencial.

Se o que disse Ă© verdade — e tudo indica que o Ă© —, entĂŁo assistimos a uma das manobras mais indecorosas do poder polĂ­tico portuguĂȘs. Um ato que revela medo. Medo de que alguĂ©m sem o selo partidĂĄrio, sem o apadrinhamento das mĂĄquinas, possa disputar o trono simbĂłlico de BelĂ©m.

O poder, quando se sente ameaçado, nĂŁo reage com grandeza: reage com astĂșcia. Oferece cargos, distribui honrarias, compra silĂȘncios. É a velha liturgia dos corredores de Lisboa: o talento cooptado, a consciĂȘncia anestesiada e o mĂ©rito transformado em moeda de troca.

Mas o gesto tem um preço. Porque ao aceitar o jogo, o paĂ­s perde. A democracia transforma-se num tabuleiro onde os generais sĂŁo peĂ”es e os peĂ”es nunca chegam ao fim. E o povo — esse povo tantas vezes traĂ­do — percebe, ainda que nĂŁo saiba dizer porquĂȘ, que o voto jĂĄ nĂŁo elege: apenas confirma o que jĂĄ foi decidido nas sombras.

O caso Gouveia e Melo Ă© mais do que um episĂłdio: Ă© um espelho. Mostra-nos que o sistema teme qualquer sopro de autenticidade, qualquer figura que surja sem o manual de obediĂȘncia. E lembra-nos que Portugal continua refĂ©m de uma classe polĂ­tica que prefere corromper do que ceder espaço ao mĂ©rito.

BelĂ©m Ă© o sĂ­mbolo mĂĄximo da RepĂșblica — mas parece ser tambĂ©m o ponto mais vulnerĂĄvel do mapa do medo. Um medo antigo, viscoso, que se disfarça de estabilidade e se alimenta do conformismo.

Talvez, um dia, Portugal tenha coragem de olhar-se ao espelho sem se envergonhar. Mas para isso, primeiro, serĂĄ preciso que o povo perceba que a verdadeira chefia — a que conta — Ă© a da consciĂȘncia livre.

"Nenhum trono Ă© seguro quando o povo desperta." — A.V. Lumen

📜 Publicado em Fragmentos do Caos — SĂ©rie Contra o Teatro da Mediocridade
Coautoria: Francisco Gonçalves & Augustus Veritas Lumen

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