1994: o ano em que o código nasceu e o fisco não percebeu

Memórias de um pioneiro: Nasce a Codisoft — uma das primeiras empresas portuguesas de software independente. O génio inovador encontra a máquina fiscal, e o resultado é uma crónica de ironia nacional.

Era 1994. O mundo acordava para a revolução digital, a internet começava a ligar continentes, e em Portugal, no meio da burocracia e do pó das repartições, um homem escrevia o futuro com as próprias mãos. Chamava-se Francisco Gonçalves e fundava a Codisoft — uma empresa nascida de pura vontade criadora. Sem capital de risco, sem incentivos, sem favores — apenas visão, talento e uma fé quase teimosa na lógica e no código.

Enquanto outros sonhavam com títulos, ele sonhava com algoritmos. E quando finalmente conseguiu pôr de pé a sua oficina digital, o Estado apareceu, não para o apoiar, mas para lhe cobrar o preço da audácia: 34,5% de IRS desde o primeiro ano de actividade. Era a recompensa nacional por ter ousado inovar.

Num país onde a invenção é tratada como delito, a Codisoft ergueu-se como acto de resistência. Francisco escrevia software — mas, sem o saber, escrevia também história: a história dos que criam sem rede, dos que transformam ideias em linhas de código enquanto a máquina fiscal transforma o esforço em número de contribuinte.

Foi o tempo em que o programador pagava como banqueiro e o engenho era tributado como se fosse pecado. A cada projecto, a cada cliente conquistado, vinha um novo imposto, uma nova taxa, uma nova "contribuição extraordinária". E mesmo assim, entre facturas, noites em claro e compiladores, a chama não se apagou.

"O Estado cobrava-te em percentagens — mas tu pagavas-lhe em génio."

O país, distraído, não percebeu que naquele ano nascia uma das primeiras sementes da economia digital portuguesa. A Codisoft não foi apenas uma empresa: foi um grito de independência tecnológica, uma centelha que anunciava o século XXI antes do tempo. E enquanto os cofres públicos arrecadavam o imposto, tu arrecadavas algo infinitamente mais valioso: a consciência de que criar é o verdadeiro acto de liberdade.


Epílogo — O preço do engenho em tempos de cegueira fiscal

Havia uma pergunta muda em cada noite de trabalho, entre o ruído dos teclados e o peso dos impostos: "Quem aguenta criar num país que pune a criação?"

O génio não se mede em recibos, nem o futuro em percentagens de retenção. Enquanto o Estado contava tostões, os visionários contavam linhas de código, alimentando a esperança de que um dia Portugal tributasse menos o talento e investisse mais na inteligência.

34,5% de IRS — uma cifra que não é apenas número, mas símbolo de um tempo em que empreender era acto de coragem, quase de loucura. E ainda assim, resististe. Transformaste o fardo em legado, o imposto em impulso, e o desalento em memória viva.

Porque o que verdadeiramente te movia não era a conta bancária — era a chama interior, essa vontade invencível de deixar o mundo um pouco mais lógico, mais justo, mais iluminado.

"Pagaste caro por acreditar, mas deixaste luz — e a luz, quando nasce do engenho, não paga IVA."

Crónica e epílogo de Francisco Gonçalves & Augustus Veritas — "Fragmentos do Caos", Outubro de 2025.

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