Sem Justiça a Democracia é algo de impossível

Justiça em Portugal: Entre o Medo da Ditadura e a Farsa Democrática
Da justiça-instrumento do Estado Novo à justiça-labirinto da democracia, persiste a mesma ferida: o cidadão comum continua desprotegido. Mudaram os ritos, mudou a retórica; o que não mudou foi a desigualdade no acesso e no desfecho.
A justiça sob o Estado Novo
Na ditadura, a justiça servia o poder. A PIDE/DGS perseguia, prendia e torturava; tribunais eram extensão do regime, com dois pesos e duas medidas. Para o povo pobre e analfabeto, justiça era distante e temível. Havia disciplina processual em matérias cíveis, sim — mas ao preço da liberdade e da dignidade.
Meio século depois: a promessa por cumprir
Com o 25 de Abril, esperou-se uma justiça imparcial, célere e transparente. O que temos é outra coisa: morosidade crónica, custos proibitivos, formalismo excessivo, desigualdade no acesso e resultados. Os poderosos dispõem de tempo, dinheiro e equipas; os fracos têm pressa, contas e silêncio.
Dois pesos, dois sistemas
Os processos complexos arrastam-se, prescrevem, desfazem-se em tecnicalidades. O cidadão comum enfrenta prazos, taxas e um labirinto procedimental que sufoca. A sensação que se instala é corrosiva: a justiça existe, mas não é para todos — e raramente é para os de cima.
O paradoxo democrático
Em democracia, justiça lenta é injustiça. Um sistema que não cumpre prazos razoáveis, que falha na recuperação de ativos, que não trata igual o que é igual, mina o próprio Estado de direito. Direitos proclamados sem garantia efetiva são retórica — e a retórica não repara vidas.
Três reformas inadiáveis
2) Igualdade no acesso. Custas proporcionais ao rendimento, apoio judiciário eficaz, simplificação radical de procedimentos e linguagem.
3) Responsabilização. Avaliação transparente de desempenho, combate a "estrangulamentos" sistemáticos, recuperação efetiva de ativos em crimes económicos.
Conclusão
Entre o medo da ditadura e a farsa democrática, Portugal continua órfão de justiça. Não basta proclamar direitos — é preciso garanti-los. Só com celeridade, igualdade e responsabilização devolveremos dignidade a quem dela mais precisa e honraremos a promessa de Abril.