Opinião • Portugal • Estado de Direito

Justiça em Portugal: Entre o Medo da Ditadura e a Farsa Democrática

por Francisco Gonçalves10 setembro 2025

Da justiça-instrumento do Estado Novo à justiça-labirinto da democracia, persiste a mesma ferida: o cidadão comum continua desprotegido. Mudaram os ritos, mudou a retórica; o que não mudou foi a desigualdade no acesso e no desfecho.


A justiça sob o Estado Novo

Na ditadura, a justiça servia o poder. A PIDE/DGS perseguia, prendia e torturava; tribunais eram extensão do regime, com dois pesos e duas medidas. Para o povo pobre e analfabeto, justiça era distante e temível. Havia disciplina processual em matérias cíveis, sim — mas ao preço da liberdade e da dignidade.

Meio século depois: a promessa por cumprir

Com o 25 de Abril, esperou-se uma justiça imparcial, célere e transparente. O que temos é outra coisa: morosidade crónica, custos proibitivos, formalismo excessivo, desigualdade no acesso e resultados. Os poderosos dispõem de tempo, dinheiro e equipas; os fracos têm pressa, contas e silêncio.

"Julgamos depressa quem rouba um pão; adiamos décadas quem rouba milhões."

Dois pesos, dois sistemas

Os processos complexos arrastam-se, prescrevem, desfazem-se em tecnicalidades. O cidadão comum enfrenta prazos, taxas e um labirinto procedimental que sufoca. A sensação que se instala é corrosiva: a justiça existe, mas não é para todos — e raramente é para os de cima.

O paradoxo democrático

Em democracia, justiça lenta é injustiça. Um sistema que não cumpre prazos razoáveis, que falha na recuperação de ativos, que não trata igual o que é igual, mina o próprio Estado de direito. Direitos proclamados sem garantia efetiva são retórica — e a retórica não repara vidas.

Três reformas inadiáveis

1) Celeridade com metas e meios. Prazos processuais vinculativos, gestão ativa do juiz, equipas multidisciplinares e digitalização útil (sem burocracia extra).
2) Igualdade no acesso. Custas proporcionais ao rendimento, apoio judiciário eficaz, simplificação radical de procedimentos e linguagem.
3) Responsabilização. Avaliação transparente de desempenho, combate a "estrangulamentos" sistemáticos, recuperação efetiva de ativos em crimes económicos.

Conclusão

Entre o medo da ditadura e a farsa democrática, Portugal continua órfão de justiça. Não basta proclamar direitos — é preciso garanti-los. Só com celeridade, igualdade e responsabilização devolveremos dignidade a quem dela mais precisa e honraremos a promessa de Abril.

🌌 Fragmentos do Caos: Blogue Ebooks Carrossel
👁️ Esta página foi visitada ... vezes.