O país de encenações espalhando pobreza

País de Rações, Corpos Sem Chão
por Francisco Gonçalves (com Augustus Veritas)
O Governo acaba de aprovar 14,5 milhões de euros para tratar animais de estimação de pessoas com dificuldades financeiras.
Mas ainda há milhares de humanos abandonados nas ruas, entre o esquecimento e o alcatrão.
🐾 Rações para todos. Menos para os que não têm nome.
O Estado português decidiu atribuir 14,5 milhões de euros para clínicas veterinárias sociais, numa acção promovida como bandeira de compaixão, modernidade e civilidade. E sim — os animais precisam de cuidados. São seres sensíveis, vítimas da crueldade humana, alvos do abandono.
Mas há uma pergunta que ruge dentro de mim como um trovão surdo:
Como é possível tratar melhor um cão com coleira do que um homem sem casa?
Vivemos num país onde se faz fila para esterilizar gatos… enquanto milhares de pessoas vegetam nos passeios, embrulhadas em sacos de supermercado.
Um cão com chip tem sistema.
Um sem-abrigo? Nem sempre tem nome.
🧊 A compaixão que virou cosmética
Este não é um artigo contra os animais — pelo contrário.
É contra a perversão emocional que se instalou nos gabinetes políticos e nas redes sociais:
- É cool salvar patudos.
- É feio lembrar os miseráveis.
- É "fofo" financiar casotas e ração.
- É incômodo perguntar porque é que há pessoas a dormir em carros com os filhos.
A compaixão seletiva é o novo vício do sistema.
Alivia a consciência e adia a vergonha.
🚷 Humanos invisíveis, empilhados sob as pontes
Vão milhões para bem-estar animal,
mas os centros de abrigo para sem-abrigo estão cheios, mal geridos ou inexistentes.
Vão milhões para esterilização de animais,
mas a saúde mental dos excluídos continua entregue a consultas marcadas para 2027.
E há quem aplauda.
E há quem ache normal.
E há quem diga: "os animais não têm culpa".
Pois não.
Mas também não têm culpa os velhos esquecidos, os toxicodependentes caídos, os ex-operários rejeitados, os desalojados de rendas impagáveis, os órfãos de um sistema que já não tem alma.
⛔ Um país que se orgulha da sua piedade… mas só quando é fotogénica
O que o Estado está a dizer — sem coragem de o verbalizar — é isto:
"É mais fácil salvar um cão do que reabilitar um homem.
É mais barato esterilizar um gato do que criar um abrigo para humanos.
E é mais popular posar com um veterinário do que com um mendigo."
E por isso, o cão terá cama.
E o homem terá chão.
Conclusão: a vergonha de uma civilização com trela mas sem espinha
Há de chegar o dia em que a História nos perguntará:
"Que espécie de humanidade cuida dos seus animais enquanto deixa os seus filhos morrerem de frio nas ruas?"
E nesse dia, espero que já tenhamos deixado de ser apenas um país de rações.
E sejamos, enfim, uma pátria de dignidade universal — humana, animal, integral.
Enquanto isso não chega,
gritaremos.
Escreveremos.
E faremos do silêncio deles, a nossa arma.
"Enquanto houver um só homem a dormir nas ruas, um só corpo a morrer de fome, uma só criança a nascer condenada, nenhuma civilização poderá chamar-se justa — nem livre, nem democrática." — Francisco Gonçalves
Artigo autoria de 📖 Francisco Gonçalves