Data Centers em Portugal: Entre a Nuvem e a Névoa

Francisco Gonçalves & Augustus Veritas Lumen

Portugal ergueu, ao longo da última década, verdadeiras catedrais digitais. Do data center da Covilhã, inaugurado em 2013 como símbolo de modernidade no interior, ao colosso prometido em Sines, anunciado por António Costa como o maior investimento estrangeiro desde a Autoeuropa, o país quis vestir-se de nuvem. Mas a questão permanece: que proveito real teve Portugal destes investimentos?

Covilhã: a montanha que pariu um cubo

No coração da serra, a Altice construiu um dos maiores centros de dados da Europa. Investimento inicial de 90 milhões de euros, promessas de 1.400 empregos, eficiência energética exemplar. Hoje continua a funcionar, com modernizações discretas. Mas a montanha pariu menos do que prometia: a Altice fala em mais de 500 empregos, entre diretos e associados — muito aquém do anunciado.

Sines: o mega-sonho atlântico

Em abril de 2021, com pompa e circunstância, o governo assinou o contrato do SINES DC. Falaram de 3,5 mil milhões, 1.200 empregos diretos, 8.000 indiretos. Mais tarde o número subiu para 8,5 mil milhões até 2030. O primeiro edifício, SIN01, já funciona. Mas o projeto arrasta uma sombra: a Operação Influencer, que abalou a confiança pública. A infraestrutura ergue-se, mas a névoa da suspeita paira.

Lisboa e os satélites

A capital ganhou músculo com a Equinix (LS1 e LS2), a AWS Direct Connect e a chegada de novos operadores. Há dezenas de megawatts de capacidade em pipeline, e o mercado já vale perto de mil milhões de dólares, projetando-se triplicar até 2030. É aqui que as grandes plataformas se conectam — mas o valor retido em Portugal é limitado, muitas vezes reduzido a serviços de colocation e algumas dezenas de técnicos.

Gráficos: Investimento e Empregos

Investimentos em Data Centers em Portugal
Investimentos em Data Centers em Portugal (M€)
Empregos prometidos vs criados
Empregos prometidos vs criados em Data Centers

Entre a promessa e a realidade

  • Emprego: criado em número inferior ao prometido.
  • Energia: consumo significativo, com compromissos verdes que precisam sair do papel.
  • Valor local: o país alberga a infraestrutura, mas grande parte da riqueza escapa.
  • Conectividade: avanço real, com Sines como porta atlântica e a ligação EllaLink a dar estatuto global.

O que falta exigir

  1. Relatórios públicos trimestrais de empregos, ocupação e compras locais.
  2. Energia limpa adicional (PPAs dedicados) e planos de reutilização de calor.
  3. Contrapartidas em I&D, equipas de IA e cibersegurança instaladas cá.
  4. Academias de requalificação técnica para operações 24/7 e SRE/DevOps.
  5. Estado como cliente âncora, com interconexão local e ganhos de soberania.
"Os cabos já cá estão, os edifícios erguem-se — falta encher de neurónios e faturação portuguesa. A infraestrutura é o cais; os empregos e o software exportável são os navios."

No fim, a nuvem que se instala em Portugal tanto pode ser motor de futuro como miragem de betão e cabos. Cabe-nos exigir que não seja apenas infraestrutura de passagem, mas antes plataforma de soberania e inteligência.

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