Ainda o caso influencer

O Labirinto da Influência: Quando o silêncio grita mais do que a prova
Do gabinete de Escária ao arquivo da pen‑drive, a justiça tropeça mais em invisíveis do que em culpados
📌 Box de Factos
- 1994 notas de 20 e 50 euros foram apreendidas no gabinete de Vítor Escária.
- Uma pen‑drive com dados sensíveis de agentes do Estado foi encontrada.
- Inquérito arquivado por falta de autoria, acesso ou provas diretas.
- Nulidade da prova foi pedida pela defesa de Afonso Salema — rejeitada.
- MP recorreu medidas de coação — Tribunal da Relação manteve decisão inferior.
- Sem obstruções formais registadas — mas com muitas zonas cinzentas.
"Não é preciso um muro para calar a justiça — basta um silêncio bem colocado, uma pen‑drive sem autor e uma nota sem rasto."
1. Um escândalo de papel e silêncio
Foi em Novembro de 2023 que o país se surpreendeu com a descoberta de quase duas mil notas de euro — frescas, tangíveis, cheias de promessas — no gabinete de um dos homens mais próximos do então primeiro-ministro. Vítor Escária, chefe de gabinete de António Costa, viu-se no centro de um vendaval chamado Operação Influencer.
Mas não foi o dinheiro vivo o único vestígio encontrado: havia também uma pen‑drive. Pequena. Anónima. Mas carregada de dados sensíveis — moradas, rendimentos, identificações fiscais de agentes dos serviços de segurança do Estado. Um mistério dentro do mistério.
2. A justiça e os seus atalhos
O Ministério Público (MP) tentou seguir o trilho. Pediu ao Banco de Portugal o rastreio das notas. Esgrimiu argumentos. Conduziu perícias. Mas, um a um, os fios que prendiam o novelo da verdade foram-se rompendo.
A pen‑drive? Arquivada. As diligências? "Esgotadas". O MP confessou: não conseguiu saber quem gravou os dados, quem os entregou, nem se Escária — ou alguém — sabia do que ali estava. O mistério tornou-se processo. E o processo tornou-se silêncio.
3. A nulidade que não vingou
A defesa de Afonso Salema, arguido influente no caso, tentou ir mais longe. Alegou que as provas foram recolhidas por órgão incompetente: a Polícia de Segurança Pública, quando a competência legal seria da PJ. Pediu nulidade de tudo.
O juiz rejeitou. Afirmou que a PSP agiu sob coadjuvação e direção do MP. A justiça, por enquanto, não desarmou. Mas o simples facto de tal pedido ter sido formulado — e com fundamentos — mostra que o processo vive numa corda bamba de formalismos e interpretações legais.
4. Nem sabotagem… nem clareza
Não há provas de que instituições públicas tenham recusado cooperar com o Ministério Público. Nenhum banco, nenhuma agência estatal, nenhuma autoridade terá dito "não" à justiça. Mas também não há provas de que todos tenham dito "sim", com eficácia, transparência e prontidão.
Há lacunas. Há peças por juntar. Há notas sem origem conhecida e dispositivos com segredos que não se revelam. E há uma democracia que observa — descrente, silenciosa, cansada de ver processos nascerem com promessas e morrerem arquivados.
5. Quando a influência não é só o nome da operação
A Operação Influencer talvez seja, no fim de contas, um nome premonitório. Porque o que se sente no subtexto do processo — e nos bastidores da política — é precisamente isso: influência. Não apenas nos negócios de lítio, de dados ou de centros de dados. Mas na própria teia que condiciona a justiça a mover-se devagar, a arquivar depressa, a não chegar ao fim.
Epílogo: A justiça, essa entidade metafísica
Onde estão os autores da pen‑drive?
Quem contou as 1994 notas?
Que juiz conhece o rosto do silêncio?
Portugal assiste, de novo, a um processo onde os acusados podem ser ilibados não por inocência — mas por impossibilidade prática de provar o contrário. E a verdade, essa entidade que não aparece nos autos, talvez esteja escondida entre as gavetas que ninguém ousa abrir.
"Num país onde até a verdade se arquiva, a justiça continua a ser apenas uma promessa em papel timbrado."
Artigo autoria de 📖 Francisco Gonçalves e Augustus Veritas