Memória e Desencanto : O País que se Perdeu no Caminho

Portugal: da esperança industrial ao labirinto da incompetência
Nasci e formei o meu espírito crítico no tempo do Estado Novo. Combati o cinzentismo, o provincianismo e a falta de visão. Vivi o 25 de Abril como epifania — portas abertas, luz a entrar. Mas cedo percebi que a liberdade, por si só, não constrói países: exige competência, ética e projeto. Quando faltam, sobra o desperdício.
O lado sombrio da ditadura
O Estado Novo foi uma ditadura abominável. A PIDE/DGS espalhava medo, o sistema judicial funcionava a duas velocidades e o país vegetava na pobreza e no analfabetismo. Era um Portugal desigual, com direitos humanos violados e a cidadania amputada.
O paradoxo do desenvolvimento
E, no entanto, havia sinais de futuro. Nos anos 60 e início de 70, o país acelerou industrialmente: a Sorefame fabricava composições ferroviárias e exportava; a Lisnave e a Setenave brilhavam na construção e reparação naval; a indústria metalomecânica e a siderurgia davam músculo; o Tramagal montava veículos pesados; a ferrovia transportava pessoas e mercadorias com conforto europeu. Socialmente atrasado, sim — mas industrialmente promissor.
O 25 de Abril e o desperdício da liberdade
O MFA abriu as portas da liberdade. Porém, a política que se seguiu confundiu abundância de direitos com ausência de deveres. Entregues à euforia, liquidámos indústrias inteiras, negociámos com a Europa uma modernidade de alcatrão — autoestradas a troco da nossa soberania económica — e sacrificámos a ferrovia, o modo de transporte mais promissor.
Corrupção e incompetência como sistema
Chegaram milhões europeus em ondas sucessivas. Em vez de inovação e indústria, tivemos projetos de fachada, adjudicações opacas, negócios em que o Estado perde e alguns ganham sempre. A dívida cresceu, a soberania encolheu. Hoje equilibramo-nos mal: na cauda da Europa, com pobreza persistente e desigualdade teimosa.
Uma justiça que falha onde devia proteger
A justiça cível, meio século depois da ditadura, continua lenta, cara e desigual. Para os menos favorecidos, um labirinto; para os poderosos, uma zona franca. Em democracia, uma justiça assim é uma afronta — não apenas à lei, mas à dignidade humana.
Portugal merece mais
A liberdade não pode servir de capa à incompetência e à corrupção. Precisamos de governantes éticos e competentes, de uma justiça que funcione, de uma economia que crie valor e não renda de intermediação. Precisamos de políticas públicas com norte, de uma ferrovia que una o território, de indústria com tecnologia e ambição.
• Instituições íntegras — transparência, avaliação e responsabilização.
• Justiça célere — prazos, meios e simplificação radical de processos.
• Estratégia produtiva — ferrovia, energia, indústria tecnológica e exportadora.
Conclusão
Do cinzento da ditadura ao brilho breve da liberdade, Portugal perdeu-se muitas vezes nos corredores da incompetência. Mas não está condenado. A liberdade pede obra: projeto, trabalho e ética. Só assim deixaremos de viver à sombra do que fomos — para sermos, enfim, aquilo que merecemos.