Opinião

Doutoramentos: investimento no futuro — desde que haja exigência real

Sem critérios sérios, os graus viram selos. Com rigor, tornam-se motores de inovação. Entre o brilho da promessa e a sombra do facilitismo, decide-se o futuro.

Por Francisco Gonçalves & Augustus Veritas Lumen • 04 Setembro 2025
Resumo executivo:
  • Excesso de oferta sem exigência em várias licenciaturas/mestrados/doutoramentos fragiliza a credibilidade dos títulos.
  • Avaliação benevolente e fraca literacia científica/escrita em parte do pipeline formativo anulam a promessa de "mais qualificação = mais inovação".
  • Resultado: desperdício de recursos públicos e privados, diplomados sem competências nucleares e inovação que patina.

O ideal e o real

O artigo do Público acerta no essencial: um doutoramento de excelência é uma aposta coletiva — qualifica pessoas, cria conhecimento, eleva a cultura e pode dinamizar a economia. Mas a verdade nua e crua é que sem níveis de exigência e critérios de avaliação sérios, os graus académicos degradam-se em meros selos. E selos não inovam; pessoas competentes, sim.

Nos últimos anos, Portugal cresceu em número de doutorados e reforçou o ecossistema científico. Porém, a quantidade sem qualidade é um canto de sereia: seduz as estatísticas, afoga a substância. Quando o acesso não seleciona por mérito, quando a avaliação não separa o bom do sofrível, quando a escrita, o método e a ética de investigação falham, o "doutoramento" deixa de ser pauta e vira ruído. Sem rigor, o diploma é timbre sem música.

O retrato que dói (mas cura)

  • Admissões por filling de vagas e desajuste entre temas e necessidades do país/empresas.
  • Avaliação indulgente, com bancas pouco diversificadas e fraca revisão por pares externos.
  • Fragilidades na escrita e no pensamento crítico — sintomas que vêm de trás no sistema e rebentam nos graus avançados.
  • Transferência insuficiente para a economia e a sociedade; demasiadas teses sem utilidade objetiva ou agenda científica clara.
  • Precariado científico persistente, que desincentiva os melhores e impede trajetórias de excelência sustentadas.

Não é um ataque à academia; é um apelo à sua força renovadora. Menos, melhor: menos vagas quando necessário, mais exigência sempre.

Plano de Excelência Doutoral (12 medidas práticas)

1) Acesso & Pré-requisitos

  • Pré-prova nacional de método científico e escrita académica (componente prática de revisão bibliográfica e desenho de estudo).
  • Numerus clausus por qualidade: abrir vagas apenas onde há orientação, linhas de investigação e infraestrutura robustas.
  • Compatibilidade tema-país: cada proposta deve evidenciar utilidade científica e/ou social para Portugal (ou rede europeia).

2) Qualidade & Integridade

  • Bancas mistas: ≥50% de membros externos (idealmente internacionais) e declarações de conflito de interesses.
  • Ciência aberta: dataset, código e protocolo publicados, salvo exceções justificadas.
  • Anti-plágio/duplicação com auditorias aleatórias e sanções claras.

3) Ligação à Economia & Cultura

  • Estágio/Residência obrigatório(a) em empresa, laboratório associado, museu, ONG ou IPSS (conforme área).
  • Doutoramento industrial com co-orientação empresa-universidade e metas de transferência.
  • Capacitação transversal: escrita clara, comunicação pública, dados e reprodutibilidade.

4) Métrica & Responsabilização

  • Seguimento de alumni (emprego, produção, impacto) por 5 anos pós-defesa.
  • Financiamento por resultados (qualidade, publicações reprodutíveis, impacto cultural/social/económico).
  • Ranking de programas por critérios públicos e independentes; quem falha, corrige ou fecha.

O que fazer já (12 meses, 3 movimentos)

  1. Auditoria externa a uma amostra nacional de teses (método, dados, escrita, originalidade).
  2. Nova grelha nacional de avaliação com pesos explícitos para reprodutibilidade e utilidade.
  3. Pacto pelo Rigor entre FCT, universidades e sociedade civil: menos burocracia tóxica, mais exigência útil.

Não é elitismo; é mérito. Inclusivo é o sistema que apoia quem tem talento e contexto para florescer — e que não engana ninguém com diplomas vazios. Com rigor, o doutoramento volta a ser bússola — não medalha de lata.

Notas & fontes

  • PISA 2022 (Portugal ~média OCDE; descida em matemática/leitura face a 2018): OECD – perfil Portugal.
  • Despesa em I&D (Portugal 1,70% do PIB em 2022): World Bank – indicador GB.XPD.RSDV.GD.ZS.
  • Doutorados residentes (↑ de ~19k em 2009 para ~30k em 2021): Ramos et al., 2025 – PMC11914870.
  • Innovation Scoreboard 2025 (perfil misto, boa intensidade digital): Comissão Europeia – perfil Portugal (PDF).
  • Contexto do debate: opinião no Público "Cada doutoramento é uma aposta no futuro" (04-09-2025).

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