O Portugal Digital

Portugal adora slogans. Ontem foi a "nação valente e imortal", hoje é a "nação digital". Nos congressos, ministros proclamam: "o futuro é tecnológico, estamos a modernizar o Estado!" — enquanto os cidadãos, em fila frente ao balcão, descobrem que afinal o "digital" é apenas mais um papel para assinar.
O milagre digital anunciado
Ouvimos falar de plataformas unificadas, cloud soberana, interoperabilidade. Vêm logo as imagens de salas cheias de tablets e hologramas futuristas. A retórica é triunfal: a tecnologia vai acabar com a burocracia, poupar tempo e aproximar cidadãos do Estado.
Mas em Portugal, o futuro costuma chegar primeiro aos PowerPoints. É lá que funciona sempre impecavelmente.
A prática da ineficácia
Na vida real, o "digital" traduz-se assim:
- Um portal que pede login via Chave Móvel Digital… e depois exige autenticação adicional com o número de contribuinte e senha enviada por carta.
- Documentos digitalizados que têm de ser entregues… em papel, "para validação".
- Sites que colapsam quando entram mais de 200 pessoas ao mesmo tempo.
- Aplicações do Estado que funcionam só em Internet Explorer — um navegador que já nem existe.
É a burocracia digitalizada: os mesmos carimbos e labirintos, agora com senha eletrónica e CAPTCHA para provar que somos humanos.
O custo da ilusão
Enquanto isso, milhões correm para empresas amigas, consultoras de renome e startups que vivem de fundos públicos. Os contratos são gordos, os resultados magros. O povo paga impostos para sustentar uma modernização que nunca chega.
E quem fica para trás? Os idosos sem literacia digital, os cidadãos que não têm fibra ótica, os que não conseguem navegar em sites feitos para engenheiros e não para pessoas. O "Portugal digital" transforma-se em Portugal dividido: os que conseguem navegar no sistema, e os que ficam perdidos na margem.
A revolução que se imprime
O mais irónico é isto: ao fim da jornada, depois de logins falhados, formulários enigmáticos e timeouts, o cidadão tem de… imprimir o comprovativo. A revolução tecnológica em Portugal acaba, invariavelmente, em papel.
Para não ficarmos no "Ctrl+C, Ctrl-V"
- Serviços para pessoas: UX acessível e testada com cidadãos reais, não só com equipas técnicas.
- Contratos públicos transparentes: métricas de desempenho publicadas; pagamentos vinculados a resultados.
- Interoperabilidade real: dados que circulam entre serviços com padrões abertos e APIs auditáveis.
- Inclusão digital: formação, apoio presencial alternativo e desenho universal para não excluir ninguém.
#transformação-digital#administração-pública#ux#cidadania
🌌 Fragmentos do Caos – Sites Relacionados
- 📚 Blogue Principal:
https://fasgoncalves.github.io/fragmentoscaos-html - 📘 Ebooks "Fragmentos do Caos":
https://fasgoncalves.github.io/hugo.fragmentoscaos - 🌀 Carrossel de Artigos:
https://fasgoncalves.github.io/indice.fragmentoscaos
Uma constelação de ideias, palavras e caos criativo – ao teu alcance.
A sua avaliação deste artigo é importante para nós. Obrigado.