Opinião • Sistema Financeiro • Geopolítica

EUA a caminho do maior desaire financeiro?

por Francisco Gonçalves 01 Setembro 2025
Colunas clássicas sob céu turbulento, metáfora para a independência da Fed
Independência monetária: alicerce sob pressão.

A ofensiva política sobre a Reserva Federal não é só uma rixa doméstica. É um rasgão na confiança que sustenta o dólar — e um convite para a China ocupar o espaço que a complacência americana abre.


Donald Trump não discute apenas com tecnocratas em Washington; põe em causa a ideia de que os Estados Unidos são a âncora financeira do planeta. Quando a política tenta dobrar a Fed, o que se dobra é a confiança — e sem confiança, até o aço do dólar pode enferrujar.

A ilusão da indestrutibilidade do dólar

Durante décadas, o dólar pareceu inevitável. Mas inevitável é só a aritmética da confiança. Os números contam a história:

~58%
Quota do dólar nas reservas globais
~2,7%
Quota do yuan nas reservas
~80%
Das transações FX envolvem USD
$30+ bi
Dívida pública americana em circulação
Valores aproximados de ordem de grandeza; servem fins ilustrativos para leitura de tendências.
A tentação de Trump

Forçar cortes de juros, nomear aliados obedientes e transformar a Fed em extensão da Casa Branca pode render manchetes no curto prazo, mas cobra um preço alto no médio:

  • Inflação estruturalmente mais elevada.
  • Aumento do prémio de risco sobre os Treasuries.
  • Fuga de capitais e volatilidade global importada.
Lição de Ancara

A Turquia comprou crescimento curto ao preço da credibilidade: a lira desvalorizou cerca de 80% na última década e a inflação chegou a picos insustentáveis. Não, os EUA não são a Turquia. Mas a história rima quando a política manda e a técnica obedece.

"Atacar a independência do banco central é fácil; reconstruí-la é um luxo caro que os mercados só reconhecem quando já é tarde."
China à espreita

Pequim não precisa derrubar o dólar — basta-lhe roê-lo pela base:

  • CIPS, a rede de pagamentos para reduzir dependência do SWIFT.
  • Acordos bilaterais em yuan com parceiros estratégicos.
  • Acumulação persistente de ouro para reduzir exposição ao USD.
Terramoto silencioso: um desvio do dólar de ~58% para 45–40% nas reservas em 10 anos já seria uma reconfiguração profunda do sistema.
O risco global

Se a Fed vacilar, não treme só Washington. Treme a prestação da hipoteca em Boston, o spread em Lisboa, o balanço em Frankfurt e as reservas em Jacarta. Um dólar fragilizado significa:

  • Juros mais altos e financiamento público mais caro no mundo inteiro.
  • Maior volatilidade nos mercados e procura por refúgios (ouro, yuan, até cripto).
  • Fragmentação financeira e perda de coordenação internacional.
Conclusão

No fim, não é sobre um homem contra um banco central — é sobre um sistema a testar os seus próprios alicerces. Se os EUA brincarem com o fósforo da moeda de reserva, a chama ilumina primeiro a Casa Branca, mas o fumo sufoca o planeta. A prudência é cara; a imprudência, ruína.

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