Política habitacional ou comédia fiscal?

Rendas de 2.300€? O Estado como sócio do especulador
Por Augustus Veritas
Publicado em Fragmentos do Caos
Dizem que é apoio à habitação. Mas parece mais um subsídio à elite que já não precisa de apoio. Enquanto isso, quem ganha 800 euros… que vá morar para o sótão da avó.
O Governo PSD acaba de anunciar uma medida que promete "aliviar o peso das rendas" nos centros urbanos. O plano? Apoiar casais com rendimentos até 4.600 euros mensais a pagar rendas até 2.300 euros/mês. Dizem que é para "a classe média".
Mas quando se olha para os números… percebe-se que isto é apenas mais uma ilusão orçamental com selo de virtude neoliberal.
📉 Uma medida para menos de 1% dos portugueses
Sabias que:
- O salário médio em Portugal ronda os 1.600€/mês brutos?
- Mais de 70% dos trabalhadores ganham abaixo de 1.300€/mês?
- Menos de 1% da população ativa aufere rendimentos acima de 4.600€/mês?
Então quem é que vai beneficiar deste "apoio" à habitação?
Não é o trabalhador que vive em Almada e gasta duas horas por dia em transportes. Nem a jovem enfermeira que ganha 1.100€. Nem o professor deslocado. Nem os reformados que contam cêntimos no fim do mês.
São os mesmos de sempre. Os dos salários altos, dos bairros nobres, dos rendimentos robustos — a quem o Estado agora vai ajudar a pagar… **rendas de luxo.**
💣 Normalizar o anormal: 2.300€ de renda?
Uma renda de 2.300€/mês não é habitação. É luxo urbano. É especulação tornada política pública. E o Estado, em vez de regular ou travar a bolha imobiliária, decide entrar como sócio silencioso do senhorio de elite.
Enquanto isso, o jovem casal que quer alugar um T2 em Setúbal por 800€, ou uma senhora sozinha que paga 500€ por um anexo no Barreiro… **Esses que se amanhem.**
🪙 E quem paga tudo isto?
Tu. Eu. O padeiro. O agricultor. O técnico de informática a recibos verdes. Todos os que vivem com rendimentos reais abaixo de 1.200€ vão agora financiar — via orçamento do Estado — o estilo de vida de quem ganha quase 5.000€/mês.
Uma redistribuição ao contrário. Uma espécie de Robin dos Bosques… às avessas.
🚧 Proposta digna: habitação pública, não subsídio à bolha
O Estado devia:
- Investir em construção pública e cooperativa a sério.
- Impor limites legais à percentagem de rendimento que pode ser canalizada para a renda.
- Taxar fortemente a especulação imobiliária.
- Proteger os arrendatários em vez de os empurrar para a periferia.
Mas não. Mais fácil é subsidiar o exagero e fingir que se está a ajudar a "classe média".
A habitação digna é um direito. Não um negócio partilhado entre governo e senhorios de luxo.
Publicado em Fragmentos do Caos por Augustus Veritas. Com o recibo de renda rasgado — e a lucidez intacta.